Carta Póstuma a Um Amor Que Nunca Existiu
Não sei se foi amor ou delírio,
mas juro que, por uns instantes, eu acreditei.
Acreditei naquele brilho de olhos como quem crê em milagres
mesmo sabendo que milagre algum dura mais que uma madrugada.
Você falava, e eu fingia entender.
No fundo, era o som da tua voz que me prendia,
não o sentido.
Tinha um ritmo bonito, como se cada palavra viesse com um truque embutido,
um feitiço de pronúncia que desmontava minha lógica de sobrevivência.
E eu, que sempre me orgulhei da calma,
perdi o compasso.
Meu coração virou um cachorro ansioso abanando o rabo pra quem nunca voltaria.
Nunca houve nós.
Houve a ideia de nós.
E essa é a parte cruel:
a imaginação é sempre mais fiel que as pessoas.
Você me deixava mensagens com cheiro de promessa,olhares que pareciam convite.
Mas eram só isso aparência.
E eu, tolo, confundi gentileza com destino.
Deveria ter percebido.
Você falava de outros amores com uma leveza que me matava devagar.
Enquanto eu inventava futuros,
você me usava como espelho pra ver o reflexo de alguém que não era eu.
Quando caiu a ficha, doeu
não como uma facada,
mas como um gole de bebida quente descendo torto, queimando de dentro pra fora.
Não era raiva. Era decepção embriagada.
Passei noites tentando te odiar,
mas o ódio também exige presença,
e você nunca esteve o bastante pra merecer isso.
Então restou o silêncio.
E o silêncio, esse sim, tem memória.
Hoje, se penso em você, é só pra lembrar o que não quero mais ser:
um homem esperando aplausos de quem nem ficou pra assistir.
Descobri que a saudade também cansa,
que amar sozinho é exercício de autoflagelo,
e que ninguém deveria ser poesia pra quem só quer prosa.
Se ainda me perguntarem sobre nós,
eu digo a verdade a mais sincera delas:
não houve história.
Houve ensaio.
E eu era o único ator que decorou as falas.
Agora sigo.
Sem heroísmo, sem drama.
Com um riso torto e o fígado cansado pelas altas dose de alcoólicas,
mas o coração enfim limpo de ilusões.
Porque aprendi, do jeito mais doloroso e bruto,
que alguns amores não nascem pra durar,
mas pra ensinar a gente a voltar a ser inteiro