Eu não sou o herói do épico solar,
Nem o vilão da tragédia noturna.
Sou uma página solta, um eco marginal,
Na biblioteca vasta e taciturna.
Minha alma, um mosaico de cenas alheias,
De luzes de um seriado a brilhar no assoalho,
De frases de canções, doces como sereias,
Que me sussurram segredos em seu desvario.
Tu, cuja história é bordada com fios
De diálogos sábios de um filme esquecido,
Trazes no olhar os silêncios vazios
De um personagem que partiu, ferido!
Nossas memórias são ficções sagradas,
Palácios de vidro que o tempo não quebra;
O amor que cantamos, são riscas emprestadas
De um romance que outro autor na sombra escrevera.
E assim navegamos, dois espectadores,
Num oceano de mitos que não criamos,
Unidos não por feitos ou ardores,
Mas pelas sombras de amores que adoramos.
E quando a cortina do real desce,
E o mundo nos pede um rosto verdadeiro,
É no palco interno que o ser aparece,
Iluminado por um astro-worldeiro.
Então deixa que queime, este doce engano,
Dois fantasmas reais, de carne e osso,
Acolhendo o refúgio, o terno engano,
De viver uma vida que já veio em verso.
Pois é nesse templo de imagens roubadas,
Nesse céu de empréstimo, puro e profundo,
Que nossas almas, finalmente desarmadas,
Encontram, por fim, o seu mundo.
By Santidarko