Há dias em que eu penso que viver é um ofício delicado.
Não um trabalho de esforço, mas de escuta.
A vida não se revela no barulho das conquistas, mas nas frestas pequenas do tempo —
num olhar demorado, no cheiro do café, num pôr do sol que insiste em ser bonito,
mesmo depois que tudo parece cansado demais.
A existência é uma travessia.
Nascemos com o coração limpo, e ao longo do caminho vamos colecionando memórias,
feridas, amores, ausências e fé.
É assim que a alma aprende a ter forma —
como um vaso moldado por tudo o que nos toca e, ao mesmo tempo, nos parte.
Há quem diga que o tempo cura.
Eu acho que ele apenas ensina.
Ensina que crescer é se despedir com mais ternura,
que envelhecer é aprender a deixar os dias passarem sem tanto medo de perdê-los,
porque o que realmente fica não é o que vivemos,
mas o modo como fomos tocados pelas coisas simples.
A efemeridade é uma professora exigente.
Ela sussurra, com voz mansa e firme: “Nada é para sempre, e é justamente por isso que vale.”
E então percebemos que o amor, a dor e a saudade são da mesma família —
todos nascem daquilo que um dia foi vivo e, por isso mesmo, nos deixou marcas.
Viver, no fundo, é aceitar ser passagem.
É entender que o corpo se cansa, mas a alma não.
A alma é o que sobra quando o tempo se recolhe —
é o que permanece quando tudo o que é visível já partiu.
Talvez o sentido da vida não esteja em buscá-lo,
mas em permitir que a vida nos encontre
nos instantes em que deixamos de correr atrás dela.