Brunna Keila

O que o Tempo não Leva

Há dias em que eu penso que viver é um ofício delicado.

Não um trabalho de esforço, mas de escuta.

A vida não se revela no barulho das conquistas, mas nas frestas pequenas do tempo —

num olhar demorado, no cheiro do café, num pôr do sol que insiste em ser bonito,

mesmo depois que tudo parece cansado demais.

 

A existência é uma travessia.

Nascemos com o coração limpo, e ao longo do caminho vamos colecionando memórias,

feridas, amores, ausências e fé.

É assim que a alma aprende a ter forma —

como um vaso moldado por tudo o que nos toca e, ao mesmo tempo, nos parte.

 

Há quem diga que o tempo cura.

Eu acho que ele apenas ensina.

Ensina que crescer é se despedir com mais ternura,

que envelhecer é aprender a deixar os dias passarem sem tanto medo de perdê-los,

porque o que realmente fica não é o que vivemos,

mas o modo como fomos tocados pelas coisas simples.

 

A efemeridade é uma professora exigente.

Ela sussurra, com voz mansa e firme: “Nada é para sempre, e é justamente por isso que vale.”

E então percebemos que o amor, a dor e a saudade são da mesma família —

todos nascem daquilo que um dia foi vivo e, por isso mesmo, nos deixou marcas.

 

Viver, no fundo, é aceitar ser passagem.

É entender que o corpo se cansa, mas a alma não.

A alma é o que sobra quando o tempo se recolhe —

é o que permanece quando tudo o que é visível já partiu.

 

Talvez o sentido da vida não esteja em buscá-lo,

mas em permitir que a vida nos encontre

nos instantes em que deixamos de correr atrás dela.