Se o cotidiano fosse um livro,
eu estaria lendo a mesma página há anos —
com anotações nas margens,
marcas de café,
e um suspiro dobrando o canto.
Às vezes, penso em virar a folha.
Mas a próxima parece tão em branco
que o silêncio dela me assusta.
Então, fico.
Releio o parágrafo onde esqueço as chaves,
onde o sol entra pela janela
e finge ser novidade.
Há um certo conforto na repetição —
como se o tempo me ninasse
com a mesma canção de sempre,
um pouco desafinada,
mas íntima.
Talvez viver seja isso:
aprender a reler
com outros olhos,
até descobrir que o mesmo texto
mudou de significado
enquanto eu mudava de alma.
E quem sabe — um dia —
quando o vento virar a página por distração,
eu sorria,
e continue a história
sem saber onde parei.