Arthur Santos

NA SALA DE CONCERTOS

NA SALA DE CONCERTOS

na sala de concertos ouviam-se os primeiros acordes.

as notas circulavam entre gente comum e lordes,

com igual sem cerimónia,

despreocupadamente e sem parcimónia.

 

notas soltas,

livres de escoltas,

sem constrangimentos.

afinar os instrumentos.

 

ouviu-se o som estridente e brilhante do violino

ecoando em desatino,

logo seguido pela viola D\'arco com a sua voz doce

mas calou-se,

abafada pelo som grave do contrabaixo

como que a responder cabisbaixo,

de cá para lá, de lá para cá,

montado na sua clave de fá

e bem assente no seu espigão.

 

dialogavam,

argumentavam,

primeiro um, depois o outro, em franca discussão.

o violoncelo meteu-se na conversa

de maneira perversa

e tornou a questão mais controversa.

 

estavam nisto,

quando de rompante aconteceu o imprevisto.

autoritariamente fez-se ouvir o som do piano

querendo impor-se como o soberano,

com um comportamento até um pouco...

hitleriano

mas durou pouco o seu desígnio,

a harpa com quarenta e sete  cordas

e meios tons cromáticos,

quebrou-lhe o domínio

e os seus ares aristocráticos.

 

os sons indisciplinados invadiam a sala.

queixou-se um velhote ao meu lado

já a começar a ficar incomodado:

deus me valha,

tanto discute esta canalha.

 

os instrumentos ganhavam vida,

estavam de cabeça perdida,

uns até já começavam a soprar,

não havia ordem nem pauta,

só queriam mesmo afinar.

sem avisar, entrou a flauta

triunfante como um hino,

a dar suavidade ao violino.

o clarinete não ficou mudo

e fez-se ouvir de grave a super agudo.

cavalgava quase a trote,

quando com personalidade,

entrou grave,, o fagote,

de SI BEMOL GRAVE a RÉ

mas nada conseguiu, porque o oboé

com notas graves, ricas

e agudas penetrantes,

em poucos instantes

tornou-os a todos insignificantes.

 

pensava-se que ficava por aqui a confusão

mas não,

ainda havia mais.

faltavam os metais.

para aumentar as instaladas confusões,

chegou o trompete com os seus dourados pistões

mas foi logo confrontado com o trombone de vara

que o enfrentou cara a cara.

 

com toda a circunstância e pompa,

meteu-se à bruta a trompa

com a sua campânula enorme,

quase desconforme,

a pretender ser diferente

e a querer fazer-se passar por gente.

 

mas claro, teve forte oposição.

entrou em contramão

com a tuba e todos os seus graus cromáticos

que logo a atacou em termos democráticos.

 

pachorrentamente e sem paciência,

com toda a sua experiência,

impôs-se o velho saxofone,

numa voz que parecia um megafone.

a sua potência sonora

parecia ser arrasadora.

iria pôr um ponto final

no sonoro bacanal.

 

mas ainda não.

para mal dos nossos pecados

e dos nossos ouvidos já cansados,

faltava entrar na discussão,

a percussão.

 

o xilofone discutiu com o piano

quase mano a mano,

a caixa de rufo, os tímpanos o bombo e a pandeireta,

numa sonora conversa da treta

e com estrondosas extravagâncias

fizeram ouvir as suas ressonâncias,

o gongo, o carrilhão e os pratos

que até aqui assistiam estupefactos

a estes preliminares musicais,

produziram os seus efeitos especiais.

 

finalmente... como que a pôr um fim...

ouve-se do folclórico triangulo,

um tímido...

PLIM!

 

seguiu-se um silêncio sepulcral,

surreal,

só interrompido pelo acomodar

nas cadeiras.

 

acabaram as chinfrineiras.

o concerto, vai começar!