Oréon

O Teu Morto

Você viu? Hoje à tarde, morreu um. Sim, morreu sozinho. Falaram que o encontraram no quarto, agindo normalmente, mas quando abriram-lhe a alma, viram o que mais se temia. Restos de amores, inícios de planos e o que mais causou vômitos: acharam engrenagens enferrujadas junto de canos e fios. De que morreu? Bom, uns falam que é de amor, que o morto saiu em desespero à rua oferecendo o coração a qualquer um que por alguns instantes, mesmo ilusórios, o fizesse menos máquina. Já outros dizem que o mês que vem o assassinou. Sim, não pode contra o ataque das inseguranças e foi baleado pelas angústias do futuro e agonizou em meio a rua. E tens uns que afirmam de pé junto, que o viram sangrando no trabalho, junto das planilhas. Que seus sonhos cheiravam como cadáveres. O que eu acho? Receio, velho amigo, que só foi um desses que morrem sem enterro. A esses são negados o direito de irem e vagam nas casas e ônibus. A verdade, meu caro, é que vivemos entre os mortos. Todos morreremos um dia, só que alguns tem pressa em morrer. Veja só aquele ali, com medo do pai, entrou na firma e hoje se suicida ao som dos teclados e ao fedor das tintas. Aquele logo alí atrás, semana passada, pulou da ponte para cair numa faculdade qualquer. A pergunta que te encara no silêncio é: qual parte sua vai morrer ainda hoje?