Tu, que trajas o manto da Luz impoluta,
Cujos olhos bebem do sol, límpido espelho,
Não vês que esse brilho é mortalha absoluta
Que oculta o Verso Negro escrito no osso vermelho?
Desce! A claridade é um sono, um engano,
E a verdade, tal como um vampiro, que à luz-- não revela-se;
Ela aguarda, vestal de um pálido ano,
No altar do Vácuo, sem forma nem tela.
Corre, pois! Para a noite que é seiva e é seio,
Onde a sombra não é a ausência, mas a Carne viva,
Onde o eco do grito, antigo e alheio,
No silêncio atroz, perpetuamente se aviva.
Deixa que a treva, líquida e profunda,
Inunde os pulmões, te arranque o hálito santo;
Ouve o zumbido da Mente que se desfunda,
A melodia obscena, o dissonante canto.
Lá, na gruta do ser, onde Hereditária
A culpa se enraiza, um tronco a sangrar,
Uma Mãe, coroada de horror lapidária,
Sussurra profecias que o tempo há de gravar.
Não é um demônio raso de voz emprestada,
De rosto em ânsia, possessão de outro ser;
É a tua própria face, já tão desalmada,
A ordenar-te, calma: \'É preciso morrer para ver\'.
E se encontrares, à porta do Tempo rachado,
Um Rei de Pesadelo, de Pena e de Sal,
Cuja lei é o acaso, o tormento infligido,
Cujo rosto é um espelho que nada refletiu...
Abaixa os olhos. É tarde para rezas.
Ele não é senhor, nem pai, nem verdugo.
É o vazio que dança. São só certezas
Que se quebram nos dedos, um por um, como um jugo.
Então, sim, entenderás: a Luz era o exílio,
O pranto no quarto da criança assombrada,
O gesso no chão, o projeto mais sórdido,
A boca que ri quando a alma é degolada.
E abraçarás a escuridão, não como perdição,
Mas como o útero original e frio,
O primeiro e derradeiro suspiro, enfim,
São e completo no seio do vazio.
By Santidarko