Todo mundo fala de crime, fala de facção,
fala de tiro, fala de corrupção.
Mas quando o assunto é mulher e violação,
a rima trava, o som para, o silêncio toma o chão.
Querem cantar de glock, de ouro e poder,
mas não têm coragem pra ver o que não querem ver.
Falam do tráfico, do corre, da lei,
mas esquecem da menina que gritou e ninguém escutou, nem eu, nem você.
A rima é bonita quando fala do gueto,
mas fica muda quando o corpo é o objeto.
Falam de sangue, de luta, de bala perdida,
mas esquecem do sangue que corre da ferida.
Falam do ladrão que roubou um cifrão,
mas não do estuprador que roubou uma vida.
Falam do crime que sai no jornal,
mas não do trauma que não tem final.
Enquanto o sistema fecha o portão,
tem mulher pedindo ajuda no chão.
Hospital despreparado, delegado sem empatia,
o corpo vira prova, a dor vira ironia.
Ela chega tremendo, com medo, sem fala,
e ainda perguntam se “foi ela que quis essa bala”.
Perguntam a roupa, perguntam o lugar,
mas ninguém pergunta se ela quer desabafar.
Cadê a escuta, cadê o respeito?
A justiça dorme, o crime é aceito.
Cadê o preparo, cadê o olhar?
Quando a mulher denuncia, o mundo quer julgar.
Falam do morro, da guerra, da cena,
mas esquecem do machismo — o vírus, o problema.
Falam de farda, falam de arma,
mas o estupro é o crime que mais desarma.
Quantas meninas de treze, quatorze, quinze,
têm o corpo tomado por quem devia ser firme?
E a rua se cala, o Estado finge,
e o agressor anda livre, sorri e finge.
Falam de Deus, de Bíblia, de fé,
mas esquecem que o respeito também vem de pé.
De olhar no olho e dizer: “Eu acredito em você.”
De dar apoio em vez de querer saber o porquê.
Tem mãe chorando, tem filha com medo,
tem vítima sendo julgada em segredo.
E o povo só fala do que dá ibope,
do crime com arma, do sangue que explode.
Mas ninguém fala da dor que não grita,
do corpo que treme, da mente que grita.
Do olhar perdido, da alma ferida,
da mulher que sobrevive e segue a vida.
Na quebrada, no asfalto, na zona nobre,
tem menina rica e mulher pobre.
Não tem classe, não tem cor, não tem religião,
estupro é crime, é destruição.
Mas a mídia prefere mostrar o ladrão,
porque dor de mulher não dá audiência, não.
A manchete é fria, o caso é deixado,
mais um processo arquivado.
E o tempo passa, mas o trauma fica,
ela cresce com medo, mas o mundo critica.
Dizem “supera”, dizem “esquece”,
mas quem não viveu nunca entende o que acontece.
Ela anda na rua e segura a chave,
como se fosse arma contra o covarde.
Olha pra trás, muda de lado,
porque ser mulher é andar desconfiado.
Falam de gangue, falam de poder,
mas ser mulher é sobreviver.
É estudar e trabalhar com medo,
é sorrir escondendo o desespero.
E quando ela fala, o povo ri,
diz “foi drama”, diz “não foi assim”.
Mas quando um homem fala, o povo acredita,
a palavra dele é lei, a dela é mentira.
Cadê as leis que deviam proteger?
Cadê o Estado que devia acolher?
Se cada delegacia vira tortura,
porque a vítima tem que provar a própria dor e a própria ruptura.
Falam de crime organizado,
mas o machismo é o mais bem estruturado.
Tem sede em todo canto, em cada olhar,
em cada “ela mereceu” que ousa falar.
A luta é diária, a coragem é pesada,
é viver sabendo que pode ser a próxima da jornada.
E ainda assim ela se levanta, se pinta, se arruma,
e vai pra rua enfrentar o mundo, sozinha, sem nenhuma.
E quando a noite cai, o medo volta,
a cidade dorme, mas ela revolta.
Porque o corpo dela virou território,
e o respeito virou mero episódio.
Mas a rima é minha arma, o microfone é meu escudo,
eu falo por todas, eu falo por tudo.
Por quem gritou e ninguém ouviu,
por quem sobreviveu e o mundo fingiu.
Falo pelas que ainda estão caladas,
pelas que foram esquecidas, apagadas.
Falo pra lembrar que o crime é real,
e que estupro é guerra, é brutal, é infernal.
Então quando vier rimar sobre “vida bandida”,
lembra que a pior dor é a que não tem saída.
Que o corpo violado é também resistência,
que falar disso é ato de consciência.
Enquanto tiver silêncio, vai ter verso,
enquanto tiver dor, vai ter protesto.
Porque eu não vou rimar sobre o que dá curtida,
eu vou rimar sobre o que destrói a vida.
E se a plateia se cala, eu sigo o som,
porque poesia é grito — e o meu tem tom.
De justiça, de luta, de mulher que não cansa,
de quem foi ferida, mas não perde a esperança.
E quando esse som ecoar por aí,
que ele sirva pra acordar quem fingiu não ouvir.
Porque enquanto o mundo aplaude tiro e facção,
eu vou rimar o nome de cada mulher em vão.
Até o dia em que o respeito for lei,
em que o corpo dela não seja de ninguém.
Até o dia em que a dor não precise rimar,
porque finalmente ela vai poder descansar.