Luana Santahelena

A Tomada do Dia

Sonhar é bom —

é como se deitar na rede das nuvens

com um livro que nunca termina.

Amar, ah…

amar é tropeçar graciosa

numa poça de poesia.

 

E esperança, minha cara,

esperança é aquele fiapo de sol

que insiste em atravessar o quarto

mesmo quando a persiana jura

que hoje não.

 

Mas cá entre nós,

sem desejo

ninguém levanta da cama.

 

Nem o corpo, nem a alma, nem o gato.

(Nem o despertador se atreve a insistir.)

O desejo é quem acende a lâmpada,

prepara o café,

e nos convence — com voz de vendedora de loja cara —

de que vale a pena experimentar

mais um dia.

 

Ele é a tomada

que liga a vida no modo felicidade,

a senha do Wi-Fi da existência,

a brasa discreta no fundo da xícara

quando o mundo parece morno demais.

 

Desejo não é só paixão

(e nem precisa rimar com exagero).

Às vezes, é só querer usar meias coloridas

ou descobrir se o padeiro sorri pra todo mundo

ou só pra você.

 

É pequeno, sim.

Mas é teimoso.

 

Enquanto a esperança se ajoelha e reza,

o desejo vai de pantufas até a porta

e gira a maçaneta com um “vamos ver no que dá”.

 

Já tentei viver sem ele —

fui estátua, sofá, objeto de decoração interna.

Fiquei bonita, mas sem propósito.

E convenhamos:

ninguém quer ser um enfeite em sua própria biografia.

 

Então hoje,

ligo meu fio na vontade

(seja ela de mudar o mundo

ou só comprar um croissant).

E deixo que me leve.

Me empurre.

Me invente.

 

Porque a vida, no fundo,

é esse eterno levantar da cama

com desejo nos olhos

e um poema pela metade

na ponta da língua.