Às vezes me pego pensando no passado, não por vaidade, mas por saudade.
Saudade de um tempo em que tudo parecia estar bem, quando a casa tinha cheiro de segurança e o amor ainda não havia se tornado ruína.
Eu era criança, e o mundo era pequeno o bastante para caber dentro de um sorriso.
Naquela época, eu acreditava que o amor morava em casa, que os abraços eram sinceros, e que a vida era feita de promessas cumpridas.
Como eu queria que a realidade tivesse sido aquilo.
Se o efeito borboleta existisse, acredito que, em algum momento, eu teria tentado mudar nossa história. Ter tocado o passado com delicadeza, impedido o instante exato em que a mentira vestiu o nome do amor.
É incrível como uma vida inteira pode se desfazer com uma única decisão — tão breve, tão fútil — feita apenas por prazer, vaidade e luxúria.
Depois disso, nada mais foi inteiro.
Tudo passou a ter rachaduras, até os gestos de carinho.
O mais cruel é que, por muito tempo, ainda quis acreditar nas lembranças, como se o amor sobrevivesse mesmo entre os escombros.
Mas ele não sobreviveu.
Morreu soterrado pelas promessas quebradas e pelas verdades omitidas.
Aliás… o que realmente é a vida?
Nascemos sem nada e passamos dias, meses, anos tentando dar sentido ao que nunca nos pertenceu de fato.
Sobrevivemos às ilusões — chamando migalhas de felicidade, e silêncios de paz.
E quando finalmente o tempo nos cobra,
voltamos ao pó, sem nada. Sem quem nos amou, sem quem amamos.
E então tudo se repete
o ciclo das perdas, o peso das escolhas,
o eco triste do que poderíamos ter sido.
Talvez esse seja o verdadeiro castigo,
viver com o som do próprio vazio,
com a lembrança do que foi e nunca mais será. Porque há solidões que não nascem da ausência, mas da consciência de que o paraíso que lembramos por um breve momento existiu de verdade. E é nesse silêncio que tudo volta - as vozes, as risadas, a falsa tranquilidade.
Mas agora sei, não era amor, era disfarce.
E quando o preço da mentira e da luxúria é a coração de alguém, não há perdão que compre o que se perdeu.
Há mentiras que não apenas destroem o amor, elas abrem túmulos dentro de quem as pronuncia, enterrando a luz que ainda restava.
Porque a mentira corrói devagar,
e o que ela não mata, apodrece.
E é nesse silêncio final, onde tudo se cala,
que percebo: o amor não morre quando parte, morre quando deixa de ser verdade
e ainda assim, permanece.
E eu, sem saber, vivi dentro de um sonho emprestado, acreditando que o amor bastava.
Autora: Ana Beatris