Metamorfose

O corpo sabe, o corpo sente

Há um instante em que o corpo entende

o que a mente ainda nega.

É quando ele sussurra, em silêncio:

“é hora de voltar.”

 

Voltar à rua,

ao caminho interrompido,

ao som que não cessa na lembrança.

 

E tudo parece o mesmo,

as luzes, as calçadas,

o ar que insiste em ser o mesmo ar,

mas algo em mim ficou imóvel

naquele dia.

 

Desde então,

a madrugada me encontra desperta.

O corpo dói,

 recorda.

E a mente, cansada,

repete o medo como quem reza.

 

Talvez o trauma seja isso:

uma parte de nós que se recusa a voltar.

Que permanece ali,

no ponto exato onde o tempo partiu.

 

E o resto de nós

segue, 

devagar,

como quem aprende a andar

num chão que já o derrubou.