Meu caminho não é linha reta,
é rastro de passos que o vento de agosto não levou.
Gente que conheci —
cujas memórias se misturam
aos lampadários acesos nas varandas;
umas vieram como ritmo de samba
e partiram antes de eu aprender a letra;
outras ficaram no baú da história,
como cheiro de café em cozinha ancestral.
As que partiram deixaram sabores e desabores nos meus ombros;
as que ficaram, me deram asas.
Das que permaneceram, faço raiz e voo:
raízes para lembrar que a amizade é porto,
voo para encontrar outros brothers.
Aprendi que, nos olhos-nos-olhos,
há mais casa que nas margens
do córrego Maria Chica;
que num abraço cabe um bairro inteiro;
e que dois amigos, em silêncio,
podem atravessar desertos —
sem sede,
apenas com o umedecer da saliva
das conversas antigas, lembranças vivas.
E assim sigo:
com a herança dos encontros guardada no peito,
a coragem de não precisar caminhar sozinho
e as palavras pronunciadas
na língua secreta dos que trocam
prosa boa sob um céu de Penápolis
e mil outras cidades.
@opoetatardio — Pedro Trajano
https://opoetatardio.blogspot.com/2025/10/asas-que-ficam.html