Ultracrepidário

Caibros

Quando criança,
Com aqueles meus olhos furta-cor,
Olhava, em ócio,
Para cima,
Para ver o telhado,
Com sua malha de caibros
Sustentando as telhas
Muito mais antigas do que eu.

Por entre o madeiramento
Via-se os rastros dos cupins;
As teias desmanchadas pelo tempo;
Os primódios de vespeiros abandonados;
Os ninhos secos das maritacas.
Era como ler uma história,
Daquelas que só se vê nos livros empoeirados
Com aquelas folhas amareladas;
Com aquela capa de couro;
Sem títulos,
Com linguagem-enigma.
Coisa que só crianças vê.

Mas os homens, 
Com suas mãos calosas e seus olhos secos
Irritados com o caos do telhado
Cobrem-no, com argamassa e cal.
Fazem o teto
Tão liso
Linear
Simétrico
Retilíneo
Cúbico
Regular
Correto
Estável
Previsível
Pálido
Límpido
Monocromático

Sem insetos 
Sem ninhos
Sem caibros

Somente o teto
Com aqueles meus olhos brancos
Pelos quais efundiam 
insetos ninhos e caibros.