Odeio voltar àquele momento.
Àquele grito desgarrador.
Cada vez que me lembro, abre-me o peito outra vez e destroça tudo o que por lá vive.
Foi o meu nome que ela gritou.
Doeu.
Lembro-me de sair a correr.
De me pôr no meio dos dois.
Inútil.
Eu não iria parar nada.
Era só um adolescente assustado.
Mesmo assim, entre soluços e pés pesados, dei por mim no meio dos dois.
Aí congelei.
O que se tinha passado?
Sempre que começava… eu fugia para o meu quarto.
Acho que sei de onde vem a minha natureza de fugir aos problemas.
Como sempre… fugi.
Escondi-me no meu quarto.
Tentei ser levado para outro mundo enquanto lia banda desenhada.
Desejei que essa fosse a minha realidade.
Não consegui.
Entre gritos e acusações, a minha mente obrigou-me a ficar neste mundo.
Ainda a culpo por isso.
Tenho sentimentos mistos.
Ouvi explicações.
Perdoei os dois.
Questionei-me.
Nunca levantei tais questões a ninguém.
Só para mim.
Muitas vezes consigo esquecer.
Porém, aquele grito fica comigo.
Fica e não vai embora.
É como uma lembrança constante do que aconteceu.
Depois do grito vem a memória inteira:
o lugar exato onde estavam parados,
como ela se atirou para a cama entre lágrimas,
como ele me dizia que não acreditara,
como decidi ligar a alguém para que me ajudasse.
No final tudo se resolveu.
Mas o grito…
o grito fica.
E sempre que passa, leva as minhas lágrimas com ele