Chega de clichês de cinema, meu caro —
não tem trilha sonora que salve
quando você canta Legião
e eu só queria silêncio e chá.
A grande aventura, hoje,
é não brigar por causa do modo avião
ou da sua mania de pausar o filme
pra explicar a cena.
(Spoiler: eu entendi.)
A alma gêmea, se existir,
não é aquela que termina tuas frases,
mas a que respeita
quando você esquece as palavras
e precisa de cinco minutos no banheiro
pra lembrar quem é.
A memória, por aqui,
tem cheiro de pizza de ontem
e molho escorrido na camisa.
Tem o eco da nossa risada nervosa
diante da fatura do cartão,
como se rir fosse desconto.
(Spoiler: não é.)
O amor mora, veja só,
na divisão quase sagrada das tarefas:
você cuida das plantas,
eu finjo que sei lavar louça.
E se um dia trocamos de função,
viramos poema —
ou manual de instruções,
com páginas faltando.
Tem também a guerra fria do controle remoto,
cada um com sua estratégia sutil:
eu com o olhar fixo e passivo-agressivo,
você com a tática do \"só ver um episódio\",
como se fosse possível.
No fundo, é um caos que faz sentido.
Como aqueles quebra-cabeças
em que a peça errada encaixa
e ninguém tem coragem de corrigir.
E talvez, só talvez,
o amor verdadeiro
não seja aquele que completa,
mas o que aguenta.
Com charme.
Com falhas.
E um pouco de comédia romântica
no final da segunda-feira.
(Spoiler final:
a gente sobreviveu mais um mês.
E ainda sobrou pizza.)