Eu a conheci num dia nublado,
não pelo céu — mas pelo olhar.
Tinha sorriso de quem aprendeu a sorrir depois,
não durante.
E as palavras vinham baixas,
como quem teme que a própria voz
acorde um passado adormecido.
Ela não pedia amor.
Me oferecia distância em bandeja de prata
e dizia:
\"Não encosta onde dói.\"
Mas eu vi —
vi como os olhos dela piscavam mais forte
quando alguém chegava perto demais.
Vi o jeito que ela abraçava com os ombros tensos,
como se cada gesto fosse uma promessa
de que ia ser ferida outra vez.
E eu?
Eu não tinha mapa, nem cura,
só vontade.
Vontade de ficar, mesmo quando ela mandava ir.
Naquela noite chuvosa,
ela chorou deitada no meu peito,
e o choro não era bonito,
nem cinematográfico —
era cru.
E eu segurei.
Com as mãos nuas, segurei o que doía nela,
como quem segura um caco de vidro
e sangra junto.
Beijei-a entre soluços,
não por desejo,
mas porque achei que o toque suave
era a única língua que ela ainda entendia.
Demorou.
Como cura lenta.
Como flor que se abre só quando ninguém está olhando.
E foi aí que entendi:
amar não é prometer que vai passar —
é estar lá enquanto arde.
É virar abrigo pra tempestade alheia.
É saber que nem sempre se salva,
mas sempre se fica.
Hoje, ela ainda carrega cicatrizes,
mas já sorri sem esforço.
E eu…
eu continuo aprendendo a ser ponte
entre a dor e o alívio.
Porque às vezes,
amar é isso:
nem sempre ser remédio —
mas sempre ser presença.