Sezar Kosta

QUANDO O VENTO MUDOU A MÚSICA

Eu a encontrei num fim de tarde incerto,

com o céu dividido entre sol e ameaça —

ela ria com os olhos antes da boca,

como quem já sabia dançar na desgraça.

 

Não houve ensaio, nem acerto de passos.

Só a rua vazia, um barulho distante,

e nossas sombras se tocando

antes mesmo das mãos se entenderem.

 

Ela disse algo sobre a vida ser leve,

e eu — tão cheio de planos fechados —

quis acreditar, mas tropecei no instante.

Foi quando percebi que ela flutuava

enquanto eu calculava o chão.

 

Vieram dias de sol súbito,

e tempestades sem aviso.

Ela dançava como se o caos fosse ritmo.

Eu, ao lado, tentando marcar compassos

com pés pesados de expectativa.

 

Perdi a conta das vezes que quis segurá-la

com palavras firmes, certezas claras.

Mas sempre que tentei moldar o momento,

ele escapou como areia em correnteza.

 

Foi então que parei.

Não para desistir —

mas para escutar o silêncio entre as notas.

Ali, onde nada era garantido,

ela me olhou com ternura e desordem,

e sem dizer, me ensinou a girar.

 

Desde então, dançamos assim:

sem coreografia, sem promessa.

Apenas dois corpos atentos

ao que o vento sussurra

quando muda a música.