Eu a encontrei num fim de tarde incerto,
com o céu dividido entre sol e ameaça —
ela ria com os olhos antes da boca,
como quem já sabia dançar na desgraça.
Não houve ensaio, nem acerto de passos.
Só a rua vazia, um barulho distante,
e nossas sombras se tocando
antes mesmo das mãos se entenderem.
Ela disse algo sobre a vida ser leve,
e eu — tão cheio de planos fechados —
quis acreditar, mas tropecei no instante.
Foi quando percebi que ela flutuava
enquanto eu calculava o chão.
Vieram dias de sol súbito,
e tempestades sem aviso.
Ela dançava como se o caos fosse ritmo.
Eu, ao lado, tentando marcar compassos
com pés pesados de expectativa.
Perdi a conta das vezes que quis segurá-la
com palavras firmes, certezas claras.
Mas sempre que tentei moldar o momento,
ele escapou como areia em correnteza.
Foi então que parei.
Não para desistir —
mas para escutar o silêncio entre as notas.
Ali, onde nada era garantido,
ela me olhou com ternura e desordem,
e sem dizer, me ensinou a girar.
Desde então, dançamos assim:
sem coreografia, sem promessa.
Apenas dois corpos atentos
ao que o vento sussurra
quando muda a música.