Talysha

Boneca

Havia uma criança com a boca costurada,

mas os olhos abertos demais,

forçados a engolir noites inteiras

que não pertenciam à sua idade.

O corpo, pequeno demais para tanto peso,

foi transformado em altar sujo

onde deuses monstruosos vinham rezar.

 

Com o tempo, o vazio cresceu

até virar uma criatura inteira.

Um animal que sussurra:

“termina-te, termina-te, termina-te.”

corpo, obediente, inventou cerimônias secretas:

fragmentos brancos dissolvidos na língua,

partículas de um silêncio comprado,

hóstias profanas que prometiam paz,

mas cobravam em ossos corroídos,

vísceras retorcidas, pele que não fechava

 

A raiva não pôde nascer para fora,

então apodreceu para dentro.

É um cachorro enjaulado

que rói as próprias patas,

um tambor que bate dentro da carne

sem nunca encontrar o inimigo certo.

 

A boca, faminta de mundos,

engole pedaços enormes do nada,

mastiga o invisível,

força a garganta até quase arrebentar,

e depois cospe tudo com violência,

como quem tenta arrancar do corpo

o que nunca deveria ter entrado.

É um batismo às avessas:

purificação pelo vômito,

língua cortada em ácido e sal,

um sacrifício secreto que se repete

até que o estômago se torne uma cova.

 

E quando nem isso bastava,

vinha o manto espesso.

Não era ar — era algo mais pesado,

um fumo cinzento que se enroscava nas costelas,

se infiltrava nas veias,

escorria pelos ouvidos e queimava os olhos.

Por um instante, dissolvia o mundo:

a pele se descolava do osso,

o coração saltava como um prisioneiro,

o estômago fervia em ácido,

a boca cuspia relâmpagos de restos e culpa.

 

O corpo inteiro convulsionava,

vomitava, sangrava, cuspia bile e promessas mortas.

Cada músculo suplicava que não aguentava mais.

A carne se torcia até rasgar,

os ossos gritavam em fricção,

os dedos se enroscavam em si mesmos,

querendo arrancar o monstro entranhado.

 

E mesmo assim, por um segundo,

o manto mentia aos sentidos:

não dói tanto, não pesa tanto,

não é tão real