Quero viver como quem canta sem saber a letra —
sem medo do silêncio entre os versos.
Viver como uma nota solta, errante,
que mesmo fora do tom,
insiste em ser melodia.
Não busco afinar a alma aos moldes do mundo,
mas deixá-la rouca de verdade.
Que minha vida seja um refrão torto,
mas que ecoe inteira,
em cada esquina do meu ser.
Que eu gaste meus sorrisos onde ninguém os espera —
em ruas que não têm nome,
em cafés onde o tempo se esquece.
Que eu abrace o acaso como quem dança de olhos fechados,
e tropece nos dias sem vergonha do riso.
Cantar desafinado nas calçadas da rotina,
onde o asfalto engole os sonhos pequenos
e o trânsito atropela os segundos.
Mas ali, mesmo ali,
eu componho minha sorte em passos desajeitados.
Nem sempre a vida afina:
há notas agudas demais,
pausas que doem como ausência,
e compassos que se arrastam como saudade.
Mas é no desalinho que mora o encanto —
amar é errar o tempo,
sofrer é sentir a letra escrita à faca,
e ainda assim,
repetir o refrão de olhos fechados.
Ser feliz, talvez,
seja reconhecer a beleza da nota quebrada,
o som que rasga, mas também cura.
Que minha vida não seja perfeita,
mas que tenha ritmo —
e que cada tropeço soe como poesia em dissonância.
Quero viver essa canção,
mesmo que desafinada,
com a alma exposta como partitura no vento.
Pois mais vale uma verdade imperfeita
do que um silêncio afinado demais.
No fim, que digam de mim:
“Ele viveu como se fosse música —
não porque acertou o tom,
mas porque cantou com o coração rasgado,
e nunca calou sua voz.”