Ontem, comprei teu perfume.
Sim — talvez o gesto mais masoquista e covarde que já cometi contra mim mesmo.
Eu queria, nem que fosse por um lapso cruel, te sentir aqui outra vez.
As moças da perfumaria não perceberam,
mas enquanto o borrifo tocava minha pele,
uma lágrima traiçoeira me escapou,
misturada ao cheiro que um dia foi aconchego,
e hoje é navalha.
“É esse mesmo que eu procurava…”,
murmurei para a vendedora,
com a voz trincada,
os olhos marejados
e a sensação de que meu coração estava sendo esmagado
como se fosse um papel sujo, pronto para o lixo.
Em segundos, nossa história inteira explodiu na minha mente —
um curta-metragem de felicidade e ruína,
o retrato mais fiel do amor mais fundo
que já ousou morar em mim.
Se aquelas moças soubessem que cada gota desse perfume
é uma gota de veneno para o meu peito,
teriam chamado a polícia,
não me vendido.
de enganar o cérebro e dopar o coração.
Por instantes, eles juraram que você estava aqui.
Agora, com esse frasco,
posso sustentar a ilusão do teu corpo ao meu lado —
não apenas alojado dentro de mim,
como sempre esteve,
mas materializado no ar,
fazendo do meu oxigênio
uma mistura letal de perfume e saudade.