Divaldo Ferreira Souto Filho

Camaleão Embalsamado

- I -

Eu não sou daqui, não tenho plano

Não nasci ainda, sinto que caí da teia

E completo, incrédulo, duas dezenas e meia

Pro círculo contínuo do seu gregoriano

De meus pais, herdei o líquido maravilhoso

E também o rei de todos os bens – o Amor

Dom bonito jorra num coração batedor

Sua cachoeira deságua em meu rio formoso

 

- II -

Sol, se fito-lhe, me ilumino sozinho

E minha sombra se esquece de mim

Mas o calor dos raios sem fim

Tira-me a cor do caminho

Acordado, sonho e saio a passear

Devagarinho, a pressa me consome

Já nem sei o que sou: velho ou jovem

Só suspiro que aqui não posso ficar

 

- III -

No caminho lancino-me o pé

Lerdo, ainda creio que estou certo

A justa forma há de estar perto

Nascente de dúvidas seca na fé

Cactos, sozinhos, embalsamam o calor fatal

Camaleões, filhos do Sol, foliam com a cor

Os espinhos daqueles atiçam a dor

Às patas destes que rebelam o natural

 

- IV -

A luz do Sol me acerta às vezes

Mente sã me alimenta sempre

Ela é o caminho, fora do ventre

Pra exceder de doze os meses

Eu, que nem sou daqui, não tenho plano

Sou camaleão rebelde pro meu tempo

Enquanto há cor, estou com meu pensamento

Contrariando, só, quem ficou no embalsamo