Era sábado, 23h47,
e a última fatia de pizza piscava pra mim da caixa.
Calabresa, fina, com borda recheada —
o tipo de coisa que separa paixões de relacionamentos sérios.
Ele olhou pra mim.
Eu olhei pra ele.
A pizza nos olhou de volta,
sabendo que só um sobreviveria.
Mas então ele pegou a faca
(pausa dramática)
e…
dividiu.
Me deu a parte com mais recheio.
Ali, eu quase disse \"te amo\",
mas engasguei com a azeitona.
No domingo, perdi a meia esquerda
— a listrada, minha favorita.
Revirei o armário, o cesto, até o fundo da gaveta dos talheres (por quê?).
Nada.
Suspirei tragicamente como quem perdeu uma amiga.
Na segunda, lá estava ela:
dobrada sobre o travesseiro,
com um bilhete escrito “Missão cumprida”,
e um smile mal desenhado.
Ele nem tocou no assunto.
Nem eu.
Mas soube:
amor não é buquê em data marcada,
é pizza dividida e meia resgatada
com a seriedade de um agente secreto.
Já brigamos por controle remoto,
temperatura do chuveiro,
e pela vez de lavar a louça.
Mas nunca por besteira tipo
\"quem ama mais\".
Porque amor, pelo menos aqui em casa,
chega com molho nos cantos da boca,
meias fora de lugar,
e esse jeito meio torto,
meio bobo,
mas inteiro certo
de estar junto até quando o Wi-Fi cai.