Nos espaços abreviados
da casa gigante da infância
a vida vai salpicando minutos
como pingos de uma fina garoa
a me molhar de vaporoso tempo
O tempo tem dessas coisas
de encolher o que era grande
e crescer o que um dia já foi pequeno
Dos lapsos que ele me leva
os mais antigos são os mais presentes
e não há hoje em que não esteja o passado
a me influenciar os mais íntimos comportamentos
Se não fosse o tempo a desaparecer no tempo
eu nada saberia dos meus sumidos e ausentes
que em mim se acumulam como uma rua prolongada
apinhada no abarrotar de tantos engarrafamentos
O tempo tem dessas coisas
de retirar das paisagens em que ando
as lembranças que guardo por dentro
Mas um dia vou sair dos retratos
onde me finjo de morto a me esconder do tempo
e faxinar as gavetas encardidas de ontem
preparando-me para o amanhã que me espera
no escurecer do meu derradeiro apagamento
O tempo tem dessas coisas
de deslembrar o que ora lembro
e que em mim respira, insiste e existe