joaquim cesario de mello

O TEMPO TEM DESSAS COISAS

 

Nos espaços abreviados

da casa gigante da infância

a vida vai salpicando minutos

como pingos de uma fina garoa

a me molhar de vaporoso tempo

 

O tempo tem dessas coisas

de encolher o que era grande

e crescer o que um dia já foi pequeno

 

Dos lapsos que ele me leva

os mais antigos são os mais presentes

e não há hoje em que não esteja o passado

a me influenciar os mais íntimos comportamentos

 

Se não fosse o tempo a desaparecer no tempo

eu nada saberia dos meus sumidos e ausentes

que em mim se acumulam como uma rua prolongada

apinhada no abarrotar de tantos engarrafamentos

 

O tempo tem dessas coisas

de retirar das paisagens em que ando

as lembranças que guardo por dentro

 

Mas um dia vou sair dos retratos

onde me finjo de morto a me esconder do tempo

e faxinar as gavetas encardidas de ontem

preparando-me para o amanhã que me espera

no escurecer do meu derradeiro apagamento

 

O tempo tem dessas coisas

de deslembrar o que ora lembro

e que em mim respira, insiste e existe