Nalva Melo

Valor da Página em Branco

 

 

Durante um longo período,  

descartei folhas de papel em branco  

como quem elimina o excedente.  

Eram numerosas,  

arquivadas em gavetas,  

alocadas em recantos,  

aparentemente supérfluas.  

Sem deliberação,  

descartava algumas,  

convicta de sua inutilidade.

 

Até que, em determinada ocasião,  

ao redigir uma narrativa —  

daquelas que emergem com veemência  

e exigem espaço —  

faltavam escassos versos para o desfecho.  

E, precisamente naquele ápice criativo,  

constatei a ausência de papel.  

Nenhuma folha disponível.  

Nenhum caderno acessível.  

Nenhuma alternativa viável.

 

A impossibilidade de prosseguir  

levou-me a ressignificar o vazio.  

Aquelas páginas outrora negligenciadas  

revelaram-se insubstituíveis.  

Eram substrato fértil,  

ambiente silencioso,  

pronto para acolher ideias,  

emoções,  

universos inteiros.

 

Naquele instante,  

compreendi que o que se mostra trivial  

pode, em verdade, ser essencial.  

Que o excedente de hoje  

pode constituir o recurso vital de amanhã.  

E que uma folha em branco  

jam

ais é mero papel —  

é potência latente.