Durante um longo período,
descartei folhas de papel em branco
como quem elimina o excedente.
Eram numerosas,
arquivadas em gavetas,
alocadas em recantos,
aparentemente supérfluas.
Sem deliberação,
descartava algumas,
convicta de sua inutilidade.
Até que, em determinada ocasião,
ao redigir uma narrativa —
daquelas que emergem com veemência
e exigem espaço —
faltavam escassos versos para o desfecho.
E, precisamente naquele ápice criativo,
constatei a ausência de papel.
Nenhuma folha disponível.
Nenhum caderno acessível.
Nenhuma alternativa viável.
A impossibilidade de prosseguir
levou-me a ressignificar o vazio.
Aquelas páginas outrora negligenciadas
revelaram-se insubstituíveis.
Eram substrato fértil,
ambiente silencioso,
pronto para acolher ideias,
emoções,
universos inteiros.
Naquele instante,
compreendi que o que se mostra trivial
pode, em verdade, ser essencial.
Que o excedente de hoje
pode constituir o recurso vital de amanhã.
E que uma folha em branco
jam
ais é mero papel —
é potência latente.