Foi numa terça comum,
daquelas em que o céu não faz esforço pra ser bonito,
que vi aquele olhar antigo
pousar sobre mim como quem reconhece
um jardim que já foi casa.
Ela andava como se tivesse vindo de outra era,
daquelas onde se esperava cartas,
e não respostas imediatas.
Vestia o tempo com uma leveza esquecida,
como quem ainda acreditava
que mãos dadas curavam febres.
Sentou ao meu lado sem prometer nada.
Mas no silêncio dela havia uma história inteira,
daquelas que não se contam em voz alta
porque doem bonito demais.
Tocou meu ombro —
não como quem deseja o corpo,
mas como quem acolhe a alma cansada.
E naquele toque morno,
senti mais verdade
do que em todos os beijos apressados
que o mundo anda trocando por aí.
Falamos de nada e de tudo:
do cheiro da chuva na terra,
de como a luz entra pelas janelas tortas,
das vezes em que o coração
quis ficar mesmo quando era hora de ir.
Ela riu quando eu disse que amava errado.
Corrigiu-me com um olhar brando
e disse que o mundo é que desaprendeu
a amar com os dois pés no chão
e o peito aberto feito varal em manhã de vento.
Ficamos ali,
dois estranhos de alma antiga,
espiando a pressa do mundo passar.
E por um instante —
um só —
foi como se amar devagar
ainda fizesse sentido.