Nelson de Medeiros

DUAS HORAS NAQUELE INSTANTE

DUAS HORAS NAQUELE INSTANTE

Na tarde de verão, lâmina ardente
cortou minha alma, em cena repetida;
teu gesto tolo, bruto, incoerente,
foi gatilho daquela despedida!

Mas o remorso, em voo persistente,
é sombra que destrói a própria vida;
por isso eu vago, errante e penitente,
neste abismo de Dante, sem guarida!

Meu rumo agora é névoa fria, escura,
e preso ao desencanto, que é tenaz,
vou caminhando, lento, agonizante...

Que te fiz, meu passaporte da paz?
Deixei-te ao vento — frágil, insegura...
Eram duas horas naquele instante...

                                                                                                                          Nelson de Medeiros