Sezar Kosta

RESPIRANDO JUNTOS ATÉ ONDE FALTAVA AR

Ela chegou num dia nublado,

sem prometer sol,

nem queria flores em tardes de domingo.

Trazia nos olhos uma bagunça antiga,

e nos ombros, pedaços de histórias

que ninguém quis escutar até o fim.

 

Não veio pronta.

Veio humana.

Cheia de pausas e vazios,

com silêncios que gritavam

quando o mundo fazia barulho demais.

 

No começo, confesso,

tentei varrer os cacos dela com minhas mãos,

como se amor fosse vassoura,

e não abrigo.

 

Quis corrigir suas rachaduras,

colocar remendos onde só cabia afeto.

Até o dia em que, chorando no chão da cozinha,

ela me disse:

“Eu não preciso que você me salve,

só que fique.”

 

Foi ali, entre a pia suja e o coração limpo,

que entendi:

algumas dores não pedem cura,

pedem companhia.

 

Aprendi a sentar ao lado dos fantasmas dela,

a fazer café com gosto de abrigo,

a beijar sua testa

mesmo quando o mundo desmoronava por dentro.

 

E nos dias bons — sim, eles vieram —

dançamos na sala ao som de risadas

tão leves

que quase esquecíamos o peso que já foi.

 

Mas era nos dias ruins,

quando tudo parecia afundar,

que descobríamos o mais bonito:

sabíamos nadar juntos.

 

Porque amar, descobri,

não é fazer flutuar.

É mergulhar fundo

e escolher ficar,

mesmo quando falta ar.