Ela chegou num dia nublado,
sem prometer sol,
nem queria flores em tardes de domingo.
Trazia nos olhos uma bagunça antiga,
e nos ombros, pedaços de histórias
que ninguém quis escutar até o fim.
Não veio pronta.
Veio humana.
Cheia de pausas e vazios,
com silêncios que gritavam
quando o mundo fazia barulho demais.
No começo, confesso,
tentei varrer os cacos dela com minhas mãos,
como se amor fosse vassoura,
e não abrigo.
Quis corrigir suas rachaduras,
colocar remendos onde só cabia afeto.
Até o dia em que, chorando no chão da cozinha,
ela me disse:
“Eu não preciso que você me salve,
só que fique.”
Foi ali, entre a pia suja e o coração limpo,
que entendi:
algumas dores não pedem cura,
pedem companhia.
Aprendi a sentar ao lado dos fantasmas dela,
a fazer café com gosto de abrigo,
a beijar sua testa
mesmo quando o mundo desmoronava por dentro.
E nos dias bons — sim, eles vieram —
dançamos na sala ao som de risadas
tão leves
que quase esquecíamos o peso que já foi.
Mas era nos dias ruins,
quando tudo parecia afundar,
que descobríamos o mais bonito:
sabíamos nadar juntos.
Porque amar, descobri,
não é fazer flutuar.
É mergulhar fundo
e escolher ficar,
mesmo quando falta ar.