Não sei que rumo tomarei,
se a vida me quer astronauta,
florista, eremita ou vendedora de tapetes em Marrocos.
Não sei onde estarei aos cinquenta e três,
nem se pagarei o carnê da existência em dia.
Mas hoje, minha amiga,
hoje eu sei exatamente o que quero para o almoço.
Um estrogonofe bem cremoso,
com aquele arroz que gruda só o necessário,
e batata palha em avalanche generosa —
porque a vida, ao contrário da comida,
é que vem faltando sal ultimamente.
Ontem tentei meditar sobre o sentido do universo,
mas minha barriga roncou no meio do mantra
e Buda, ofendido, me mandou fazer um sanduíche.
Lá fui eu — de queixo erguido e pão francês na mão —
discutir filosofia com uma fatia de queijo quente.
\"Qual seu propósito?\",
me perguntou um garçom metido a terapeuta,
enquanto equilibrava um copo de suco de caju
como quem carrega o Graal.
Respondi com a sinceridade dos famintos:
— Meu propósito, no momento, é o prato do dia.
E quem sabe uma sobremesa que faça chorar de alegria.
A verdade é que os boletos riem da minha cara,
o despertador me acusa em três idiomas,
e as metas de vida têm crises existenciais piores que as minhas.
Mas meu feijão, ah...
meu feijão tem alho, tem alma,
tem cheiro de vó e gosto de “tá tudo bem”.
Enquanto o mundo cobra diplomas,
respostas, previdência e plano B,
eu invisto no cardápio,
porque, convenhamos,
ninguém planeja um futuro glorioso
com o estômago murmurando revoltas.
E se, por acaso, a felicidade resolver chegar
sem avisar —
que encontre uma mesa posta,
uma toalha florida,
e um sorriso untado de maionese.
Quem sabe ela até sente
e peça um pouco do meu purê.
Moral da marmita:
Enquanto não decido o que quero ser da vida,
já decidi o que quero no prato —
e isso, minha cara,
já é meio caminho andado.