Luana Santahelena

Enquanto a Vida não se Resolve, Peço com Batata Frita

Não sei que rumo tomarei,

se a vida me quer astronauta,

florista, eremita ou vendedora de tapetes em Marrocos.

Não sei onde estarei aos cinquenta e três,

nem se pagarei o carnê da existência em dia.

 

Mas hoje, minha amiga,

hoje eu sei exatamente o que quero para o almoço.

 

Um estrogonofe bem cremoso,

com aquele arroz que gruda só o necessário,

e batata palha em avalanche generosa —

porque a vida, ao contrário da comida,

é que vem faltando sal ultimamente.

 

Ontem tentei meditar sobre o sentido do universo,

mas minha barriga roncou no meio do mantra

e Buda, ofendido, me mandou fazer um sanduíche.

Lá fui eu — de queixo erguido e pão francês na mão —

discutir filosofia com uma fatia de queijo quente.

 

\"Qual seu propósito?\",

me perguntou um garçom metido a terapeuta,

enquanto equilibrava um copo de suco de caju

como quem carrega o Graal.

 

Respondi com a sinceridade dos famintos:

— Meu propósito, no momento, é o prato do dia.

E quem sabe uma sobremesa que faça chorar de alegria.

 

A verdade é que os boletos riem da minha cara,

o despertador me acusa em três idiomas,

e as metas de vida têm crises existenciais piores que as minhas.

 

Mas meu feijão, ah...

meu feijão tem alho, tem alma,

tem cheiro de vó e gosto de “tá tudo bem”.

 

Enquanto o mundo cobra diplomas,

respostas, previdência e plano B,

eu invisto no cardápio,

porque, convenhamos,

ninguém planeja um futuro glorioso

com o estômago murmurando revoltas.

 

E se, por acaso, a felicidade resolver chegar

sem avisar —

que encontre uma mesa posta,

uma toalha florida,

e um sorriso untado de maionese.

 

Quem sabe ela até sente

e peça um pouco do meu purê.

 

Moral da marmita:

Enquanto não decido o que quero ser da vida,

já decidi o que quero no prato —

e isso, minha cara,

já é meio caminho andado.