Carlos Tavares

Por abortar a própria história (como bicho que não serve mais)

antes morresse, para não sentir a afronta

no chute violento que lhe estourou a bolsa

e a expulsou mais cedo para a vida,

morresse antes das noites frias e solitárias

entorpecidas de fumaça e álcool e música ruim

em lugares insalubres e penumbrosos;

antes morresse, para um fardo não ser

mas teimou viver, pobrezinha,

sobrevivera antes aos vilipêndios da vida

às ingestões de chás e misoprostol

sobreviveu indesejada, repelida

como sifilítica ou leprosada

antes morresse, para não conhecer a dor

e a crueza do mundo...

sobreviveu...

morresse antes de pertencer a uma

família...

 

aos dois, sentirá à pele o que é não ser

aos sete, violada no seu porvir;

aos dez, descartada como bicho

que não serve mais...

 

aos quinze, porém, condenada

por abortar a história de se repetir...

 

 

 

Diante das trevas medievais que fanáticos desalmados tentaram ressuscitar

para apavorar uma pobre crianças violentada em todos os seus direitos, resolvi

resgatar dos meus arquivos um poema que escrevi anos atrás depois de ouvir a triste história de uma menina abandonada e rejeitada ao longo da sua curta vida...

Enquanto meu segundo livro está no prelo para ser lançado, convido a todos a lerem

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