Anna Gonçalves

Gente que é gente

Calçada é ponto de encontro.

Na rua, quem monta a banca

é também quem carrega o país nas costas.

É mãe que madruga,

é pai que empurra carrinho,

é gente que não tem vitrine

mas exibe coragem na trilha do dia.

 

Feira não é só comércio, é cerimônia popular.

A mesa de plástico é altar

onde o suor vira sustento

e o riso vira resistência.

 

Ali, se cozinha esperança em óleo quente,

se tempera a conversa com farinha,

se vende o que a cidade esquece

a gentileza no olho no olho,

o favor sem preço,

a história contada no meio do barulho. 

 

E não é romantização não 

é a realidade suada.

É cultura que ninguém aplaude de pé,

mas todo mundo consome de boca cheia.

 

Porque comida de rua não tem lá seu glamour não,

mas tem raiz.

É o prato feito da luta,

sempre servido no vapor do agora,

com talher de papel e gosto de verdade.

 

Enquanto o asfalto engole gente

e o concreto tenta calar vozes, a feira levanta.

Toda semana.

Sem desculpa.

Sem feriado.

Com dignidade exposta ao sol, feito fruta madura.

 

E quem passa, mesmo de longe, sente.

Ali tem mais Brasil

do que em muito palácio,

onde o luxo é silêncio e o povo é espaço.

 

Onde o ouro nas paredes

esconde a ausência do pão 

enquanto a feira, no grito,

faz revolução com a mão.