Um dia acordei com o espírito de Pitágoras
e a fome de um poeta sem inspiração —
abri a geladeira como quem consulta os astros,
e vi ali, reluzente, o tomate.
Vermelho como um pecado bem cometido,
suado de frio,
cheio de dignidade vegetal.
E pensei:
— Por que não, hoje, um toque de ousadia?
Misturei-o à salada de frutas.
Sim, damas e cavalheiros,
junto da manga safada, da banana filosófica,
e dos morangos que já flertavam entre si,
lá estava ele,
o tomate.
Tímido, mas presente.
Confesso: senti-me uma alquimista do absurdo,
uma revolucionária da culinária tropical.
Era como misturar sonetos com samba,
Nietzsche com novela das oito,
ou colocar meias em gatos —
inútil, mas esteticamente intrigante.
Na primeira colherada,
minhas papilas gustativas entraram em colóquio:
— O que é isso? Uma festa? Uma cilada?
E o abacaxi, sempre ácido e sincero,
sussurrou:
— Isso aqui tá errado, colega.
Então percebi.
A inteligência me levou até o tomate,
mas a sabedoria…
ah, essa estava de férias em algum boteco filosófico,
tomando chá com Sócrates
e rindo da minha ousadia.
Aprendi, entre caretas e colheradas amargas,
que saber as coisas é só o começo.
Até o Google sabe.
Mas ter tato pra vida,
pra saber onde usar cada verdade,
isso, minha filha,
é fruta rara no mercado do existir.
Desde então, cozinho com cautela,
faço salada com diplomacia,
e só misturo tomates com o que eles realmente amam:
um fio de azeite,
um olhar de aprovação,
e jamais —
jamais! —
com pedaços de kiwi.
E se um dia a dúvida bater,
pergunto à minha alma:
— Isso aqui combina com aquilo ali,
ou estou prestes a criar um tratado filosófico
que ninguém quer provar?
Fim da história?
Não.
Fim do almoço.
Mas com moral de sobremesa:
Saber é ir ao mercado.
Entender a vida…
é saber o que diabos fazer com o carrinho cheio.