Luana Santahelena

Frutas, Filosofia e Outros Desastres na Cozinha da Alma

Um dia acordei com o espírito de Pitágoras

e a fome de um poeta sem inspiração —

abri a geladeira como quem consulta os astros,

e vi ali, reluzente, o tomate.

 

Vermelho como um pecado bem cometido,

suado de frio,

cheio de dignidade vegetal.

E pensei:

— Por que não, hoje, um toque de ousadia?

Misturei-o à salada de frutas.

 

Sim, damas e cavalheiros,

junto da manga safada, da banana filosófica,

e dos morangos que já flertavam entre si,

lá estava ele,

o tomate.

Tímido, mas presente.

 

Confesso: senti-me uma alquimista do absurdo,

uma revolucionária da culinária tropical.

Era como misturar sonetos com samba,

Nietzsche com novela das oito,

ou colocar meias em gatos —

inútil, mas esteticamente intrigante.

 

Na primeira colherada,

minhas papilas gustativas entraram em colóquio:

— O que é isso? Uma festa? Uma cilada?

E o abacaxi, sempre ácido e sincero,

sussurrou:

— Isso aqui tá errado, colega.

 

Então percebi.

A inteligência me levou até o tomate,

mas a sabedoria…

ah, essa estava de férias em algum boteco filosófico,

tomando chá com Sócrates

e rindo da minha ousadia.

 

Aprendi, entre caretas e colheradas amargas,

que saber as coisas é só o começo.

Até o Google sabe.

Mas ter tato pra vida,

pra saber onde usar cada verdade,

isso, minha filha,

é fruta rara no mercado do existir.

 

Desde então, cozinho com cautela,

faço salada com diplomacia,

e só misturo tomates com o que eles realmente amam:

um fio de azeite,

um olhar de aprovação,

e jamais —

jamais! —

com pedaços de kiwi.

 

E se um dia a dúvida bater,

pergunto à minha alma:

— Isso aqui combina com aquilo ali,

ou estou prestes a criar um tratado filosófico

que ninguém quer provar?

 

Fim da história?

Não.

Fim do almoço.

Mas com moral de sobremesa:

 

Saber é ir ao mercado.

Entender a vida…

é saber o que diabos fazer com o carrinho cheio.