você contou rindo,
da viagem com ele,
do restaurante beira de estrada,
da coxinha que era a última
e ele comeu.
e eu também ri.
meio seco.
com um gole de angústia mal digerida.
não foi pela coxinha.
nem pela história.
foi por tudo o que ela carrega.
foi porque ele já te viu com sono
no banco do carona.
já dividiu silêncio com você na estrada.
já teve teu corpo deitado em outro lugar do mundo
que agora carrega teu cheiro
e não tem nada meu.
foi porque
por um instante
você se lembrou de um gosto com afeto.
e eu não tava lá.
foi ali que meu peito afundou um pouco,
só um pouquinho.
o suficiente pra perder o brilho no olhar
sem querer te fazer culpa.
mas você viu.
e doeu saber que doeu em mim.
mas doeu.
e tá tudo bem.
não porque não machuca,
mas porque eu escolho ficar
mesmo com o peito mordido
pelos fantasmas que vieram antes de mim.