Sezar Kosta

NO EXATO MOMENTO EM QUE A JANELA SE ABRIU

Era fim de tarde,

e o mundo pesava em mim

como um casaco molhado,

esgarçado pela insistência da chuva.

 

O trânsito parado

pulsava vermelho no vidro,

enquanto o rádio repetia desastres

com a frieza de quem já se acostumou.

 

Dentro do carro,

minha respiração era um bicho arisco,

saltando entre os vãos do peito —

apertado, impaciente, sem rumo.

 

Lá fora, um menino

corria com uma pipa improvisada,

feita de jornal e esperança,

rindo como se não houvesse grades no céu.

 

E então, sem aviso,

meu olhar grudou naquela dança de papel,

leve, teimosa, cortando o cinza com uma linha invisível

que não prendia — guiava.

 

Ali, no vácuo entre um suspiro e o próximo buzinar,

algo em mim cedeu.

Como se a alma, cansada de lutar contra o peso,

decidisse boiar por um instante.

 

Lembrei do cheiro do quintal da minha avó,

das tardes em que eu também corria

sem saber para onde,

só para sentir o vento rir comigo.

 

O semáforo abriu.

Mas eu fiquei um segundo a mais,

olhando o menino sumir atrás dos muros,

enquanto dentro de mim

se apagava um incêndio antigo.

 

Depois segui em frente,

não porque o caminho fosse novo,

mas porque algo dentro de mim

já não andava no mesmo lugar.

 

E nunca contei isso a ninguém.

Mas desde aquele dia,

toda vez que o mundo começa a pesar demais,

procuro, entre as frestas,

uma pipa improvável

voando onde menos se espera.