Anna Gonçalves

O Peso do passado nos meus olhos

Entre as lembranças que arrasto, há murmúrios.
Algumas palavras cravadas, gestos em brasa.  
Os que as lançaram seguem leves,  
como se a memória fosse um relapso 
e não um abismo onde me inclino.  

Eu guardo. Não por ódio, não por dor,  
mas porque no silêncio do meu peito  
cada cicatriz é meu mapa 
                  [Aqui, decidi meu rumo]
                  [Aqui, recusei o abraço que afogava]
                  [Aqui fui atrás pra reviver os meus olhos o que não compensava] 

 

Se cedesse aos desejos,  
seria fácil voltar atrás,  
mentir que o fogo não queima,  
que o gelo não corta.  
Mas usar o passado como espada ou como escudo 
não me redime, não me eleva.  
Apenas me faria cumplice  
da mesma queda.  

Entre o sim e o não,  
fico no limiar;
nem vingança, nem perdão.  
Apenas o peso quieto  
do que escolhi carregar.

E agora... O trabalho já não é mais lento, mas uma operação bruta,  
como arrancar a si mesmo uma costela,  
extrair do peito aquilo que um dia habitou em mim  
não como hóspede, mas como verdade absoluta.  

Aquela criatura...
Criatura!
Pois o homem é um animal que sonha,
sonhou comigo enquanto precisou do meu chão,  
enquanto minha alma lhe servia de muleta.  

Mas eis que se reergueu,  
e quando a luz lhe bateu no rosto...
                       [E que luz fria, a luz do cálculo e de um certo interesse]
não hesitou nem por um segundo.
Virou as costas como quem apaga um cigarro no chão,  
com um gesto tão banal que doía mais que o abandono de si.  
E eu fiquei ali, parado, olhando a cinza do que um dia foi sagrado, 
perguntando-me:  Era tudo apenas um empréstimo?  
                      [Até o amor é um objeto de uso temporário?]

Mas eu sabia a resposta.  
Sabia desde o início, lá no fundo, onde guardamos as verdades que não ousamos confessar nem a nós mesmos.  
                     [Ela nunca foi minha.] 

E eu...
Eu era apenas uma ponte, e pontes existem para serem atravessadas e depois esquecidas.