Entre as lembranças que arrasto, há murmúrios.
Algumas palavras cravadas, gestos em brasa.
Os que as lançaram seguem leves,
como se a memória fosse um relapso
e não um abismo onde me inclino.
Eu guardo. Não por ódio, não por dor,
mas porque no silêncio do meu peito
cada cicatriz é meu mapa
[Aqui, decidi meu rumo]
[Aqui, recusei o abraço que afogava]
[Aqui fui atrás pra reviver os meus olhos o que não compensava]
Se cedesse aos desejos,
seria fácil voltar atrás,
mentir que o fogo não queima,
que o gelo não corta.
Mas usar o passado como espada ou como escudo
não me redime, não me eleva.
Apenas me faria cumplice
da mesma queda.
Entre o sim e o não,
fico no limiar;
nem vingança, nem perdão.
Apenas o peso quieto
do que escolhi carregar.
E agora... O trabalho já não é mais lento, mas uma operação bruta,
como arrancar a si mesmo uma costela,
extrair do peito aquilo que um dia habitou em mim
não como hóspede, mas como verdade absoluta.
Aquela criatura...
Criatura!
Pois o homem é um animal que sonha,
sonhou comigo enquanto precisou do meu chão,
enquanto minha alma lhe servia de muleta.
Mas eis que se reergueu,
e quando a luz lhe bateu no rosto...
[E que luz fria, a luz do cálculo e de um certo interesse]
não hesitou nem por um segundo.
Virou as costas como quem apaga um cigarro no chão,
com um gesto tão banal que doía mais que o abandono de si.
E eu fiquei ali, parado, olhando a cinza do que um dia foi sagrado,
perguntando-me: Era tudo apenas um empréstimo?
[Até o amor é um objeto de uso temporário?]
Mas eu sabia a resposta.
Sabia desde o início, lá no fundo, onde guardamos as verdades que não ousamos confessar nem a nós mesmos.
[Ela nunca foi minha.]
E eu...
Eu era apenas uma ponte, e pontes existem para serem atravessadas e depois esquecidas.