\"Manifesto ontológico de um descanso de porta\"
É muita prepotência, eu sei...
Mas há dias, como este,
que me agarram pela gola
e gritam no peito:
\"Tu não és sequer o que pensas ser\"
E eu, que pensava ser o pior entre os homens,
percebo que sequer sou homem.
E mesmo se fosse,
Nem o pior, poderia ser.
No bem, peco.
No mal, padeço.
Sou o intervalo e avesso
De dois mistérios que se mantêm
Choro, quase sempre, sem saber o porquê.
Sou o milagre das lágrimas que se multiplicam
Ontem chorei.
E se não puder chorar amanhã,
Hoje , por precaução, chorarei ,
Tudo me custa tanto.
O que quero, quando tenho, detesto.
E o que odeio, isso, nasceu em mim
Não me julgo digna do bem,
mas o mal, quando me vem
Perece uma injustiça tão tão grande!
Detesto o mundo como ele é,
mas suspeito, em segredo,
que se fosse do meu jeito,
Ah... seria muito pior.
Falta-me algo,
essencial talvez.
Mas se tivesse,
como justificaria
minha poesia inata?
Sou só uma falta
Um desconforto sem nome e antigo
Um estalo da mobília da casa
Nasci de gente que era quase gente
Fui quase filha de um quase alguém
Logo, sou quase, quase ...quase alguém
Demais para o muito pouco,
e tão pouco para qualquer coisa além
Talvez eu queira ser outro
mas se fosse,
Sendo eu,
choraria de novo.
Escreveria este mesmo poema,
que não consola e nem encanta
Estaria, mais uma vez,
entre os mistérios
que se mantêm.