Victória Bianca

Manifesto ontológico de um quase alguém

\"Manifesto ontológico de um descanso de porta\"

 

É muita prepotência, eu sei...

Mas há dias, como este,

que me agarram pela gola 

e gritam no peito:

 

\"Tu não és sequer o que pensas ser\"

 

E eu, que pensava ser o pior entre os homens,

percebo que sequer sou homem.

E mesmo se fosse,

Nem o pior, poderia ser.

 

No bem, peco.

No mal, padeço.

Sou o intervalo e avesso

De dois mistérios que se mantêm

 

Choro, quase sempre, sem saber o porquê.

Sou o milagre das lágrimas que se multiplicam

 

Ontem chorei.

E se não puder chorar amanhã,

Hoje , por precaução, chorarei ,

 

Tudo me custa tanto.

O que quero, quando tenho, detesto.

E o que odeio, isso, nasceu em mim

 

Não me julgo digna do bem,

mas o mal, quando me vem

Perece uma injustiça tão tão grande!

 

Detesto o mundo como ele é,

mas suspeito, em segredo,

que se fosse do meu jeito,

Ah... seria muito pior.

 

Falta-me algo,

essencial talvez.

Mas se tivesse,

como justificaria

minha poesia inata?

 

Sou só uma falta

Um desconforto sem nome e antigo

Um estalo da mobília da casa

 

Nasci de gente que era quase gente

Fui quase filha de um quase alguém

Logo, sou quase, quase ...quase alguém 

 

Demais para o muito pouco,

e tão pouco para qualquer coisa além

 

Talvez eu queira ser outro 

mas se fosse,

 

Sendo eu,

choraria de novo.

 

Escreveria este mesmo poema,

que não consola e nem encanta 

 

Estaria, mais uma vez,

entre os mistérios

que se mantêm.