Julia Martins

Dias Enlatados

 

Da mesma gota,

A mesma água,

Inerte,

Desnutrida.

De fora,

A gratidão é imposta,

A amar e saciar-se,

Do mesmo gosto

Roxo,

Insípido.

O mesmo hoje

Será o mesmo amanhã.

Ontem e agora

Já não colorem mais

Meu maquinado existir.

Todos os dias

Anseio pelo descanso,

Ergo-me em cansaço.

Sem rotina,

Não teria vida,

E com ela,

Tenho a morte.

Sou parte do mecanismo,

Do sistema,

Da cápsula.

A cada dia,

Mais inútil a todos,

Aos poucos

Sendo trocada

Por um olhar mais fugaz

E mentiroso.

O oculto me consola,

Esperança,

À uma luz que,

Há muito

Ressoa queimada.

Substitua-me!

Troque-me!

Acenda meu fusível

Em um novo propósito

De queimar!

Fossem os dias,

Somente dias,

Ansiaria ao Criador

Meu descanso eterno.

No cotidiano,

Necessito de fugas.

Sou triste,

Incompreendida,

Dispensável.

Ser mais uma célula,

Como qualquer outra

É o caos aquariano

De uma calmaria

Mais do que normativa

Terrestre.