Houve um tempo em que caminhei com os olhos fechados —
não por falta de luz,
mas por medo do espelho que cada claridade se tornava.
Aprendi a desconfiar dos encontros,
como quem teme a flor no deserto por achar que é miragem.
O amor, para mim, era uma lenda contada por corações cansados,
ao redor da fogueira da solidão.
Mas os sinais estavam por toda parte:
um silêncio que abraçava,
um gesto que não pedia explicação,
uma ausência que pesava mais que qualquer presença.
Ainda assim, eu fingia não escutar.
O mundo me ensinou a vestir espinhos,
a chamar de fraqueza aquilo que era só desejo de ternura.
Até que veio o vento.
Não o que sopra folhas,
mas o que levanta véus.
Nesse instante —
como quem se encontra após mil desencontros —
senti algo antigo reacender:
um fogo que não queima,
mas ilumina de dentro.
Descobri que o impossível
era apenas um nome com medo de sentir.
E que o amor é uma língua falada pelo corpo em silêncio —
uma oração disfarçada de batida do coração.
A vida deixou de ser espera
e virou travessia.
Não mais um deserto,
mas uma sede saciada pelo risco de acreditar.
Hoje, carrego no peito
não a armadura —
mas o sagrado da entrega.
E sei:
todo aquele que se permite amar
desperta a magia adormecida em si.
Porque o coração, quando confia,
inventa pontes sobre os abismos.