Navegando no vasto Oceano do raciocínio humano, utilizando um garfo como remo em um barco furado, com o objetivo de chegar à costa da ilha da ignorância antes de afundar e me perder. Você, meu leitor, deve achar-me um louco por estar em um barco furado, mas, meu grande amigo, nós, humanos, nascemos para isso: remar com o que houver, em direção a algum objetivo tolo, fingindo que faz sentido.
Mas fui enganado, meu caro leitor. O que julguei ser a ilha da ignorância era, na verdade, uma miragem, uma armadilha bem arquitetada chamada imaginação. Um lugar traiçoeiro, Belo apenas por fora, com aquelas promessas que a gente mesmo inventa. Era uma ilha composta por ilusões humanas: memórias maquiadas, desejos antigos, ideias que jamais se tornaram algo além de sonho. E lá estava eu, remando com um garfo e um barco furado, sem possibilidade de recuar. Atracar tornou-se inevitável. Tentei manter a cabeça fria. Sabia que qualquer extração naquela Ilha poderia fazer-me afundar de vez.
Ah, caro leitor, se eu dissesse que nada acreditei, estarias a mentir; por um momento resisti e ignorei muitas das várias distrações desta Ilha maldita, todas as coisas que já imaginei e idealizei em minha vida encontravam-se lá; dei graças ao ser supremo por não encontrar as mais perversas e obscenas criações de minha mente.
Meu coração palpitou e minha boca ficou seca, e lá estava ele. Justo ele. Aquele que minha mente insistia em esconder bem no fundo. Foi só vê-lo que joguei fora o remo, a lógica, e até o medo. Joguei-me — não no mar, mas nos braços da ilusão, que, como sempre, parecia mais doce do que a dura e realidade. Ele me olhava com aqueles olhos claros, semicerrados, enrugados pelo sorriso Gentil que morava em seus lábios finos. era o tipo de expressão que faz nos esquecer até do próprio nome. E eu esqueci. De tudo. Do raciocínio, do medo, do naufrágio forçado. Naquele instante, a razão perdeu-se novamente.
Fui tolo, eu sei, meu caro leitor. Ele arrastou-me sem esforço para o fundo do oceano do raciocínio e deixei-me levar. Por um instante, aceitei a queda como quem mergulha sabendo que não retornará à superfície. Aproveitei cada segundo do delírio antes do afogamento. A água invadiu-me como um pensamento inadiável. Não é salgada, tampouco doce, mas tinha gosto, sim — um gosto amargo, seco, feito de pó e o livro velho. Um sabor de lógica destituída de afeto, de verdades ditas com a frieza de quem não necessita sentir para saber. Era como engolir pedra polida: dura, limpa e sem qualquer traço de vida.
Acordei com um pigarro seco, daqueles que vem carregado de ressentimento. Era jovem poeta, ainda ali, sentada ao meu lado, com a face de quem foi traído pelo próprio público. Tinha me flagrado, dormindo bem no meio de seus versos apaixonados. Confesso, leitor: os poemas eram belos, sim, mas tinham o ritmo de uma chuva fina — constante, repetitiva e perfeita para embalar o sono. Ele fechou a face, levantou o bufando e foi para outro vagão, provavelmente em busca de alguém mais digno de sua arte. Eu, ainda com o rosto amassado pelo cochilo, só consegui balançar a cabeça e murmurar um pedido de desculpas que nem mesmo ele ouviu.
Olho pela janela e note que a chuva estava forte; lembro-me que, antes de cair no sono, um sal radiante brilhava pelo lado de fora. Os olhos recaem sobre o livro que repousava em meu colo; recordo me de estar lendo quando os pobre jovem interrompeu me. Machado de Assis é escritor do livro que tinha em mãos; Lia uma de suas obras mais famosas, Dom Casmurro, um maravilhoso livro, ouso dizer. Aberto nas primeiras páginas, sinto uma estranha semelhança com primeiro acontecimento do livro, quando Bento, personagem principal, ganhou o seu famoso apelido, que deu nome ao livro. Talvez eu esteja mesmo confundindo fantasia com realidade, assim como Dom Quixote... Ou talvez esteja lendo demais. No fim das contas, deixe para você, leitor, decidir se ainda estou são — ou apenas bem acompanhado pela literatura.