Me via sempre me procurando em olhos alheios,
buscando amor, carinho, admiração...
Mas nunca me encontrei.
Quando olhava os olhos de terceiros, me via.
E o que refletia era sempre o pior de mim:
triste, vazio, oco, oco, oco… Um interminável vazio.
Ouvi dizer que não há felicidade sem respeito próprio.
Mas como respeitar quem nunca conheci de fato?
Como respeitar a figura que sempre olhei, odiei,
culpei, maltratei, quebrei?
Quebrada ao ponto de só existir vazio,
cinzas, máscaras e oco, oco, oco…
Sou o cão que, sendo eletrocutado, maltratado,
permanece estagnado…
Vazio, cinza, oco, quebrado, despedaçado, dilacerado.
E o pior? O carcereiro, a pessoa atroz por trás das correntes,
sou eu mesma.
“Você é o juiz da sua própria vida”, disseram-me.
Mas como pode um juiz ser tão benevolente com os outros
e, ao julgar a si mesmo,
sentenciar apenas à morte,
à extinção,
sem perdão?
Dizem: “Você é o arquiteto do seu futuro.”
Mas, quando é para construir e auxiliar o futuro de alguém,
o arquiteto ergue monumentos, palacetes,
dedica sua alma ao projeto do outro.
Quando é para si…
não há tinta, nem papel, nem criatividade.
Para si, qualquer barraca ou tenda basta.
Cadê a grandeza do arquiteto que projetou castelos para outros?
Cadê a paixão, a devoção, a lealdade do arquiteto?
Cadê o amor?
Mas…
E se o juiz olhasse para si com os mesmos olhos de clemência?
Se o arquiteto soubesse que também merece um castelo?
Se o carcereiro soltasse as correntes?
Se o cão ferido aprendesse a caminhar para longe da dor?
E se, por um instante — apenas um —
eu me olhasse como olho o outro,
e visse que, sob o oco, o vazio, a cinza,
há alguém que ainda pulsa,
ainda sonha,
ainda pode existir?
Um dia, ouvi que a felicidade não bate à porta…
Mas e se, por um momento — só um momento —
em meio ao desespero, à dor, ao sofrimento e à melancolia,
eu arrombasse a porta?
E começasse a caçar a felicidade,
com a selvageria e a fome de alguém desesperado, partido, rachado?
Corresse pelo mundo cinza e desconhecido,
lutando, desejando, buscando…
E se, enquanto estivesse à procura,
eu olhasse além da paisagem?
Tirasse o foco da árvore cinza, quebrada, despedaçada…
E visse o bosque ao redor, e a semente germinando,
encontrando seu caminho sob o sol,
desafiando o preto e branco da paisagem com seu verde magnífico?
E se, enquanto corro atrás da felicidade,
eu visse o nascer do sol,
desafiando o mundo apagado com suas paletas de cores?
E se eu sentisse o vento e a chuva,
lembrando de quando eu não tinha medo de sentir?
De quando olhar, perguntar e admirar faziam parte do meu existir?
E se eu percebesse que o mundo nunca foi preto e branco?
Que as cores sempre estiveram ali,
apagadas apenas pela dor e sofrimento?
E se, apenas por um instante,
eu me permitisse sentir?
Deixar que o vento preenchesse o vazio e o oco do meu ser…
Que a chuva lavasse os cacos colecionados na minha alma?
E se eu aprendesse a correr,
livre das correntes que me prendem no limbo da dor e do vazio?
E se a minha fome de felicidade se transformasse em sede de vida?
E se, apesar das dores e cicatrizes,
ainda houvesse um coração que pulsa,
deseja, busca…
Um corpo que insiste em respirar, gritar, chorar…
Uma alma que, enfraquecida, abandonada e esquecida, ainda resiste?
E se, por fim, eu percebesse que a felicidade nunca esteve perdida…
Apenas esperando que eu abrisse os olhos…
Esperando que eu me olhasse como um dia admirei o mundo do outro?