Carolina Alves

Vazia, oca e despedaçada?

Me via sempre me procurando em olhos alheios,

buscando amor, carinho, admiração...

Mas nunca me encontrei.

 

Quando olhava os olhos de terceiros, me via.

E o que refletia era sempre o pior de mim:

triste, vazio, oco, oco, oco… Um interminável vazio.

 

Ouvi dizer que não há felicidade sem respeito próprio.

Mas como respeitar quem nunca conheci de fato?

Como respeitar a figura que sempre olhei, odiei,

culpei, maltratei, quebrei?

 

Quebrada ao ponto de só existir vazio,

cinzas, máscaras e oco, oco, oco…

 

Sou o cão que, sendo eletrocutado, maltratado,

permanece estagnado…

Vazio, cinza, oco, quebrado, despedaçado, dilacerado.

E o pior? O carcereiro, a pessoa atroz por trás das correntes,

sou eu mesma.

 

“Você é o juiz da sua própria vida”, disseram-me.

Mas como pode um juiz ser tão benevolente com os outros

e, ao julgar a si mesmo,

sentenciar apenas à morte,

à extinção,

sem perdão?

 

Dizem: “Você é o arquiteto do seu futuro.”

Mas, quando é para construir e auxiliar o futuro de alguém,

o arquiteto ergue monumentos, palacetes,

dedica sua alma ao projeto do outro.

Quando é para si…

não há tinta, nem papel, nem criatividade.

Para si, qualquer barraca ou tenda basta.

 

Cadê a grandeza do arquiteto que projetou castelos para outros?

Cadê a paixão, a devoção, a lealdade do arquiteto?

Cadê o amor?

 

Mas…

E se o juiz olhasse para si com os mesmos olhos de clemência?

Se o arquiteto soubesse que também merece um castelo?

Se o carcereiro soltasse as correntes?

Se o cão ferido aprendesse a caminhar para longe da dor?

 

E se, por um instante — apenas um —

eu me olhasse como olho o outro,

e visse que, sob o oco, o vazio, a cinza,

há alguém que ainda pulsa,

ainda sonha,

ainda pode existir?

 

Um dia, ouvi que a felicidade não bate à porta…

Mas e se, por um momento — só um momento —

em meio ao desespero, à dor, ao sofrimento e à melancolia,

eu arrombasse a porta?

 

E começasse a caçar a felicidade,

com a selvageria e a fome de alguém desesperado, partido, rachado?

Corresse pelo mundo cinza e desconhecido,

lutando, desejando, buscando…

 

E se, enquanto estivesse à procura,

eu olhasse além da paisagem?

Tirasse o foco da árvore cinza, quebrada, despedaçada…

E visse o bosque ao redor, e a semente germinando,

encontrando seu caminho sob o sol,

desafiando o preto e branco da paisagem com seu verde magnífico?

 

E se, enquanto corro atrás da felicidade,

eu visse o nascer do sol,

desafiando o mundo apagado com suas paletas de cores?

 

E se eu sentisse o vento e a chuva,

lembrando de quando eu não tinha medo de sentir?

De quando olhar, perguntar e admirar faziam parte do meu existir?

 

E se eu percebesse que o mundo nunca foi preto e branco?

Que as cores sempre estiveram ali,

apagadas apenas pela dor e sofrimento?

 

E se, apenas por um instante,

eu me permitisse sentir?

Deixar que o vento preenchesse o vazio e o oco do meu ser…

Que a chuva lavasse os cacos colecionados na minha alma?

E se eu aprendesse a correr,

livre das correntes que me prendem no limbo da dor e do vazio?

 

E se a minha fome de felicidade se transformasse em sede de vida?

 

E se, apesar das dores e cicatrizes,

ainda houvesse um coração que pulsa,

deseja, busca…

Um corpo que insiste em respirar, gritar, chorar…

Uma alma que, enfraquecida, abandonada e esquecida, ainda resiste?

 

E se, por fim, eu percebesse que a felicidade nunca esteve perdida…

Apenas esperando que eu abrisse os olhos…

Esperando que eu me olhasse como um dia admirei o mundo do outro?