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A dor de ser demais

Há em mim uma espécie de exagero trágico, como se cada gesto simples fosse um drama grego representado em silêncio por dentro da pele. Não sei viver pela metade, não sei existir em modos intermediários. Amo com o fervor de um apocalipse, sofro como se o mundo acabasse em cada manhã, e a alegria — quando vem — é uma vertigem tão alta que dói. Vivo de extremos, e isso me cansa. Cansa-me de uma forma que não é física nem emocional, mas existencial. Como se a própria ideia de estar no mundo, para mim, viesse com um excesso de peso.

 

Sou desses que sentem tudo em excesso. Uma palavra dita num tom mais frio me atravessa como uma flecha. Um olhar que não se demora em mim já me convence do abandono. Uma ausência breve torna-se um luto silencioso. Não é drama — embora pareça — é só essa maldição de ter a alma com febre constante.

 

Queria poder ser banal. Queria poder aceitar as coisas como são. Mas nada é só o que é: tudo é símbolo, metáfora, profecia. Uma tarde nublada não é só uma tarde — é uma premonição de saudade. Um toque qualquer me faz imaginar vidas inteiras. Um adeus que nem chega a ser dito me destrói por semanas. Carrego nos ombros o peso de coisas que não aconteceram, mas que minha sensibilidade construiu com toda a força da realidade.

 

Não há descanso para quem sente demais.

Não há abrigo para quem pensa o tempo inteiro em todas as possibilidades do que poderia ter sido.

Vivo como quem tenta segurar o mar com as mãos: mesmo fechado em punhos, tudo escapa.

 

Os outros, os normais — se é que existem — vivem de forma econômica. Amam com medida, sofrem com lógica, esperam com paciência. Eu não. Eu amo antes de saber o nome. Espero o impossível. Sofro por antecedência. Não por escolha, mas por constituição. É como se meu coração tivesse nascido sem pele.

 

E o pior é que essa intensidade não se limita às dores: até a beleza me fere. Uma música me desmonta por dentro. Um verso, uma tarde bonita, uma flor que nasce entre o concreto — tudo me atinge como uma faca embainhada em luz. Choro por coisas que nem entendo. Tenho saudades de tempos que não vivi. E uma angústia que não vem de nenhum fato concreto, mas da própria condição de ser. Ser assim. Ser tanto. Ser demais.

 

Ninguém vê. Ninguém percebe. Às vezes até invejam. Dizem que é bonito sentir assim, amar assim, viver assim — como se fosse um dom. Mas dom nenhum deveria doer tanto. Eles não sabem o que é acordar com o peito já cansado de si mesmo. Não sabem o que é se arrastar por dentro durante dias inteiros, tentando parecer leve, enquanto tudo pesa como chumbo sob a alma.

 

Sou, no fundo, um náufrago de mim. Alguém que se perde todos os dias no próprio excesso de sentir. Queria poder ser menos, ser quase, ser simples. Mas fui feito com tempestades nos olhos e incêndios nos gestos. E, talvez, o mundo não tenha sido feito para quem sente assim.

 

Mas sigo. Meio morto, meio poema. Meio louco, meio profeta de mim mesmo. Com a alma ferida de tanto existir. Com a esperança sempre se escondendo nos cantos. Com essa eterna vontade de desaparecer só para ver se, no silêncio da ausência, me encontro, enfim, com alguma paz.