Anna Gonçalves

Fundação

Consegui demolir, 
com as próprias mãos, tijolo por tijolo,
arranquei as ilusões como pregos enferrujados das vigas.
Desmontei os cômodos onde morei por algum tempo
o quarto do sonho impossível,
a sala das ideias vãs,
a varanda onde esperei o que nunca veio.
                                      [é preciso me mover]

Fiquei ali.
Terreno baldio é chão batido.
Rastejei um silêncio feito trena,
medindo meu peito em metros de ausência.

Mas eu fiquei.
Com os escombros, comecei a separar o que ainda era bom
o que ainda queria fazer, aprender, reconectar... 
Um tijolo de fé aqui, uma janela de esperança ali,
um cimento das vontades que senti,
as ferragens tortas da coragem.

Misturei a massa com o suor e tempo,
areia do agora, cimento do que aprendi.
A colher de pedreiro virou extensão do meu pulso.
Levantei parede a parede,
sem pressa,
nivelando com o prumo da verdade.

Não quis mais a moldura de sonho,
mas uma estrutura firme de realidade.
O telhado, deixei bem aberto para o vento passar.
Portas que se trancam por dentro,
mas se abrem pra quem chega com respeito.

A planta da nova casa fui eu quem desenhei
um lar de chão firme, sem esconderijos,
mas simples, com o que eu realmente preciso...
E mesmo com a dor das rachaduras antigas,
conservo a energia da construção original 
mas agora, com olhos que medem,
com mãos que sabem o peso do reboco.

Ainda estou aqui.
Tijolo sobre tijolo.
E cada dia é um andar e cômodo que se ergue.