Acordo quando o sol ainda sonha,
meu cabelo — bandeira indômita —
dança sem pedir licença,
como eu.
A casa exala um resto de sonho,
café esquecido,
louça sussurrando histórias
que só quem não cabe nas formas escuta.
Não me disfarço em roupas alheias:
visto memórias,
tecidos que guardam cicatrizes,
costuras de tempo.
O espelho, cúmplice antigo,
não me acusa;
devolve um olhar inteiro,
mesmo feito de fragmentos,
mesmo tecido em remendos.
Carrego a coragem quieta,
que não precisa de alarde,
anda comigo —
descalça,
ou de salto torto,
mas nunca vacila.
Unhas descascadas denunciam
pequenas guerras vencidas,
vitórias miúdas,
sorrisos guardados
no bolso da rotina.
Há beleza no torto,
no que escapa à moldura,
no real que pulsa,
no caos que abraça.
Sigo, mesmo quando o dia desafina,
cabelo em desordem,
batom pela metade —
porque aprendi:
o caos é lar,
e ser verdadeira
é urgência.