Quero pouco:
um gole de vinho
num copo lascado,
o som morno de uma canção
que se esconde ainda
nas frestas do rádio antigo —
aquele que falava
em voz de gente
quando a casa era silêncio.
Quero o abraço
que se faz casa,
sem precisar de palavra,
o cheiro verde do mato
invadindo a varanda
como quem retorna
de uma infância esquecida,
a lua atrevida
espiando,
entre galhos de pitangueira,
o segredo das noites brandas.
Quero o tempo
esquecido no relógio,
preguiçoso,
pendurado na rede
entre um colo e outro,
entre o aroma do café
recém-passado
e o sussurro
das coisas que amamos
— sem nome,
mas tão nossas.
No meu refúgio,
as palavras se dissolvem em riso,
os olhos se entendem
numa travessura de meninos,
e a vida,
sem pressa,
se deita
como lençol branco
no domingo de sol.
O essencial,
ah, o essencial
não se explica:
desliza manso
numa tarde lenta,
no calor da mão,
no afago que permanece
quando a memória
já dorme —
e a vida,
silenciosa,
segue acesa
no que ficou.