Sirukyps

Azulando cores

Azul.

Rabiscos...

Com o meu lápis de cor azul, o mundo tomava forma na parede da minha casa.

Um castelo.

A floresta.

Liberdade.

Variando entre o verde, anil, azul.

Eu nunca entendi direito o motivo, mas vermelho me deixava aflito.

Presente no fim do dia.

Nas mãos dadas, em companhia...  

Dentro do carro, o cinza tomava conta da minha cidade. 

Aos poucos, eu crescia e, num piscar de olhos, envelhecia.

As obrigações.

A escola.

Outras cores ajudavam o meu mundo a tomar forma.

Numa tarde, depois dos três porquinhos e chapeuzinho vermelho, a professora contou a história do Pinóquio. O azul estava presente em sua roupa, com chapéu amarelo e detalhes vermelho.

Esquecendo-me das cores, por que algo de madeira desejaria ser humano?

Para ter que dormir, seguir regras e sentir fome?

Pra pulsar?

Sentir cheiros, vontades e reprimir impulsos?

Por que, algo imutável, iria querer se transformar em mais carbono pro mundo?

Tirando os sapatos na porta de casa, a mamãe conversava com a Alexa...

Ela nunca reclamava, ao contrário da moça chamada Marinalva.

Ela não tinha filhos.

Ela não se atrasava e, sempre parada, não se importava em trabalhar.

Redonda e cinza, quando respondia, brilhava em azul.

Tanta paz.

Tranquilidade...

Sempre preocupada, Marinalva se apressava e já não tinha tempo pra terminar.

Cochilando sobre o teclado do computador, muitas vezes, a mamãe adormecia depois de tanto digitar.

As costas doíam.

Adoecia.

Agachando-se, ela dizia: Um dia, você vai crescer pra me ajudar.

Eu tentava.

Tentava.

Às vezes, a faca me cortava.

Reparando o vermelho sair, por que o pinóquio abdicaria da madeira pra sangrar?

Num avermelhado meio-dia, guardaram a vovó dentro de uma caixa...

Trajando preto, todos choravam, choravam...

A mamãe explicou sobre a finitude da vida e, repreendia-se por chorar.

A vovó estava feliz lá em cima...

Olhando para o céu, eu também esperava ser guardado numa caixa pra chegar ao azul.

Só que...

Mais tarde, quando entendi a falta, eu observava a mobília da casa, atravessando gerações...

Por que o pinóquio abdicaria da eternidade por um frágil coração?  

Ignorando-me quando eu a convidava pra brincar, Marinalva explicava sobre não poder parar.

Tem que comer pra recarregar.

Não pode cansar.

Deve melhorar. 

Sozinho, eu me perguntava: Por que contam a história de um boneco que queria ser humano quando exigem que humanos ajam como bonecos?

Deitando-me ao sofá, eu fitava o céu e seus rabiscos...

Se ao menos, eu pudesse encontrar a fada azul...

Organizando os meus lápis numa amarela caixa, contaria a história de um menino que desejava inanimar?