Desconfio:
a felicidade não se aprende em receitas.
Talvez more no cheiro do pão recém-saído,
no calor da manteiga escorrendo entre os dedos,
ou no balanço tranquilo da cadeira que range
enquanto o telefone, generoso, se cala.
Às vezes, ela salta
de um bilhete esquecido no bolso do casaco,
no olhar de espanto da criança
— que ainda não conhece o peso do tempo.
Aviso:
felicidade não traz manual nem mapa.
Esconde-se atrás da porta, faz careta no espelho,
derrama sal, ri dos nossos planos,
e dança quando tentamos entender.
Ser feliz é distração de quem anda leve:
quem se ocupa em buscar demais,
esquece de tropeçar nos instantes.
Eu mesmo já perdi alegrias pequenas
tentando decifrar o segredo das panelas
e dos corações.
Talvez o segredo seja misturar, sem medo:
um tanto de saudade,
colheres de esperança,
pitadas de riso à toa,
e um punhado de sonho —
mas só se for servido quente,
com olhos fechados e mãos abertas.
No final, é simples:
a felicidade não se deixa virar receita
— prefere surpreender —
como um poema esquecido
que, de repente, nos encontra
num dia qualquer,
e fica.