Sezar Kosta

O POEMA ESQUECIDO DA FELICIDADE

Desconfio:

a felicidade não se aprende em receitas.

Talvez more no cheiro do pão recém-saído,

no calor da manteiga escorrendo entre os dedos,

ou no balanço tranquilo da cadeira que range

enquanto o telefone, generoso, se cala.

 

Às vezes, ela salta

de um bilhete esquecido no bolso do casaco,

no olhar de espanto da criança

— que ainda não conhece o peso do tempo.

 

Aviso:

felicidade não traz manual nem mapa.

Esconde-se atrás da porta, faz careta no espelho,

derrama sal, ri dos nossos planos,

e dança quando tentamos entender.

 

Ser feliz é distração de quem anda leve:

quem se ocupa em buscar demais,

esquece de tropeçar nos instantes.

Eu mesmo já perdi alegrias pequenas

tentando decifrar o segredo das panelas

e dos corações.

 

Talvez o segredo seja misturar, sem medo:

um tanto de saudade,

colheres de esperança,

pitadas de riso à toa,

e um punhado de sonho —

mas só se for servido quente,

com olhos fechados e mãos abertas.

 

No final, é simples:

a felicidade não se deixa virar receita

— prefere surpreender —

como um poema esquecido

que, de repente, nos encontra

num dia qualquer,

e fica.