Gosto de gente que cultiva silêncios como quem rega hortênsias
ao entardecer —
gente que sabe que o tempo é uma criança distraída
brincando com os ponteiros do relógio
e por isso não tem pressa na alma,
nem medo das rugas que nascem com os anos.
Gosto de quem oferece o sorriso
como quem serve pão fresco,
e não poupa migalhas de ternura
para o pardal cansado do mundo.
Há uma sabedoria morna
em repartir a sombra de uma árvore,
em escutar histórias que brotam
de bocas desdentadas ou mãos calejadas.
Amo os que aceitam a tarefa de viver
sem renegociar as dívidas do coração,
gente que enfrenta compromissos difíceis
com a leveza dos que sabem
que a vida, às vezes, é casca grossa
e polpa doce.
Gente que colhe afetos,
orienta sementes,
faz do erro uma aula de poesia.
Que não foge do escuro
e entende que o medo também precisa de colo.
Que aprende com o espanto de uma criança,
com a paciência de um velho,
com o olhar analfabeto das estrelas.
Tenho fé naqueles que dão espaço
para as emoções fazerem bagunça,
que deixam a casa do peito aberta
para visitas inesperadas:
tristeza, alegria, raiva, esperança —
todas são bem-vindas para o café.
Porque viver, afinal, é um ofício de delicadezas:
repartir o que se tem,
acolher o que se é,
e, quem sabe, —
num gesto distraído e simples —
plantar eternidades nas manhãs dos outros.