Ester Araújo

Efeito Colateral

Dizem que fui feita de excesso.
Mas que culpa tem o incêndio
por não caber numa vela?

Eu amei como quem rasga o próprio peito
para servir o coração em bandeja de prata.
Não por submissão —
mas por desespero de ser sentida.

A loucura?
Foi minha lucidez aguda demais.
Pensei tanto, tão fundo, tão fora,
que o mundo rotulou de delírio
o que era só visão além da névoa.

A inteligência me cobrou caro:
vi o que ninguém queria ver,
sangrei verdades que a maioria finge não doer.

A beleza?
Ah… essa maldição dourada.
Ela entra antes de mim,
e ninguém percebe
que sou feita mais de abismos do que de espelhos.

Me apaixonei por almas nuas,
pelos que têm cicatrizes onde outros têm máscaras.
E por isso, chamaram de insana
a mulher que só queria ser tocada
na parte que não aparece nas fotos.

Você quer entender quem eu sou?
Não leia meus lábios —
leia os silêncios entre minhas palavras.
Lá mora o grito que não coube na poesia.
Lá mora o efeito colateral de existir demais.

Então, me diga:
Você quer a cura ou o veneno?
Porque eu sou os dois —
e esse é só o começo do efeito.