Naquela tarde eu só queria um café. O dia estava sem graça, como se tivesse esquecido de colocar sal em si mesmo. Mas ela apareceu. Com aquele sorriso que nunca promete pouco — e sempre cumpre mais do que devia.
Antes que eu dissesse qualquer coisa, me beijou. Assim mesmo: com a naturalidade de quem oferece um doce a uma criança — sabendo que ela não vai resistir.
Não sei o que havia naquele beijo. Açúcar? Conhaque? Encantamento? Só sei que fiquei tonto. Saí pela rua tropeçando em mim mesmo, como quem perde o norte e nem lamenta. Entrei numa farmácia achando que era padaria. Sorri para um balconista como se fosse padeiro — e pedi croissant.
Desde então, carrego esse efeito colateral: uma espécie de vertigem afetiva. Ainda quero aquele beijo. De novo, e de novo. Não por saudade — por vício. Vai entender a vida.
Ou talvez o amor seja só isso: um beijo bem dado em plena tarde comum, capaz de embaralhar farmácias, padarias... e o coração da gente.