No avesso da noite, o mundo suspira,
um sussurro de sombra e desejo se estende.
Ela atravessa o limiar:
olhos — dois lagos de abril,
profundos de chuva e incerteza,
onde o tempo flutua, lento,
e tudo que é sólido se dissolve.
Seus lábios trazem a alvorada de uma promessa,
não há mel, não há veneno:
apenas o gosto daquilo que ainda não foi dito.
O quarto: um cosmo diminuto,
onde as paredes respiram segredos e as horas se alongam.
A pele dela é um campo de força,
quase palpável,
onde minha vontade se contorce,
peregrina,
convertida em desejo sem nome.
Cada toque inventa um idioma,
os dedos escrevem em minha pele
versos que só o silêncio lê.
Ali, entre o feixe de luz e o lençol amassado,
o corpo ganha uma geografia nova,
mapa de territórios nunca antes navegados.
Mas há um risco, uma vertigem,
uma linha tênue entre o voo e a queda.
O amor, ali, é feito de perguntas:
quanto do outro cabe em nós?
Quanto de nós se perde ao tocar o abismo do outro?
No brilho do olhar,
um instante de dúvida sobrevive,
e a entrega se faz travessia,
ponte entre o medo e a coragem,
suspensa sobre o vazio fértil do desconhecido.
Ser dois é se recriar:
perder-se para encontrar o outro
e, no encontro, perder toda certeza.
E quando tudo se cala,
resta o corpo inventado —
matéria viva da ausência e do toque,
nascido do breve,
mas com raízes fundas na memória.
Não há retorno ao antes:
somos criaturas do encontro,
filhos daquilo que ousamos sentir.
No espaço entre a respiração e o grito,
descubro:
o amor não é promessa, nem veneno,
é invenção —
um instante onde o mundo recomeça
com a força delicada
do desejo que se sabe
infinito
e mortal.