Sivi le poete

Suicídio da poetisa (Florbela Espanca)

Suicídio da poetisa (Florbela Espanca)

 

Não te preocupes no teu lugar de repouso, poetisa

no lugar que nos foi preparado

porque faço a mesma questão: Deus e os poetas Deus e as poetisas?

Fique na paz, porque nós, poetas, estamos a nos juntar a vocês que já dormem no pó da terra.

Oh, Deus, será que haverá no seol um lugar separado preparado para os poetas

e na ressurreição será que haverá um lugar aí no canto separado para nós?

Descansa em paz, poetisa

pois nós ainda continuamos a gemer e sofrer.

Você sofreu demais, como todos os poetas e poetisas

porque somos uma espécie de ser humano à parte

sofremos mais dos que os homens comuns.

 

Tirar dentro do peito a Emoção,

A lúcida Verdade, o Sentimento!

E ser, depois de vir do coração,

Um punhado de cinza esparso ao vento!…”

 

Tortura, Florbela Espanca

 

Tirar dentro do peito a emoção

sangue e água do coração

sentimento frio congelado

que o vento leva e não traz de volta.

 

São assim ocos, rudes, os meus versos:

Rimas perdidas, vendavais dispersos,

Com que eu iludo os outros, com que minto!”

 

Tortura, Florbela Espanca.

 

Teus versos, poetisa, ocos e rudes, me cercam

me estrangulam até o pescoço

e deixo-me levar nesse vendaval acompanhando as folhas secas…

 

E as lágrimas que choro, branca e calma,

Ninguém as vê brotar dentro da alma!

Ninguém as vê cair dentro de mim!”

 

Lágrimas Ocultas, Florbela Espanca.

 

Lágrimas, lágrimas, lágrimas

lágrimas dos poetas ninguém vê

tanto as que caem no rosto quanto as que caem nas paredes do coração

 

Aqueles que me têm muito amor

Não sabem o que sinto e o que sou…

Não sabem que passou, um dia, a Dor

À minha porta e, nesse dia, entrou.”

Sem Remédio, Florbela Espanca.

 

Os poetas são sozinhos, mas nunca estão sozinhos

ninguém vê, ninguém sabe

convivemos abraçados com a dor.

 

E é sempre a mesma mágoa, o mesmo tédio,

A mesma angústia funda, sem remédio,

Andando atrás de mim, sem me largar!…”

 

Sem Remédio, Florbela Espanca.

 

Sem remédio assim foi tua vida, poetisa

sem remédio um título de teu poema

essa mágoa esse tédio que te perseguiram

te perseguiram até a morte

e que agora veem atrás de mim, socorro!

 

Na vida, para mim, não há deleite.

Ando a chorar, convulsiono noite e dia…

E não tenho uma sombra fugidia

Onde pouse a cabeça, onde me deite!”

 

A Maior Tortura, Florbela Espanca.

 

Na vida, para mim, não há deleite.

É esse o nosso lema, poetisa

fria, feia e sem enfeite

pois, nós, poetisa, estamos na brisa

 

Poeta, eu sou um cardo desprezado,

A urze que se pisa sob os pés.

Sou, como tu, um riso desgraçado!”

 

A Maior Tortura, Florbela Espanca.

 

Sim, poetisa, aqui estou eu e te escuto

teus escritos reluzem em mim, eu te escuto

sim, sou como você, um riso desgraçado!

 

O Sol morreu… e veste luto o mar…

E eu vejo a urna d’oiro, a baloiçar,

À flor das ondas, num lençol d’espuma!”

As Minhas Ilusões, Florbela Espanca.

 

As minhas ilusões, as tuas ilusões, poetisa

como mesmo você disse, o Sol morreu…

e veste luto o mar não só o mar veste o luto

este poeta também hoje, séculos depois, está em luto por ti, poetisa…